Dizer o Direito

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

É compatível com a Constituição Federal de 1988 a norma da Lei 5.478/1968 que dispensa a assistência de advogado na audiência inicial do procedimento especial da ação de alimentos

A ação de alimentos pode ser proposta mesmo sem advogado

A Lei nº 5.478/1968 dispõe sobre a ação de alimentos.

Os arts. 2º e 3º da Lei de Alimentos possibilita que a pessoa que pede alimentos possa ingressar com a ação mesmo sem advogado.

As normas impugnadas possibilitam ao credor que se dirija ao juiz, pessoalmente ou por advogado, e exponha os fatos e fundamentos que lastreiam seu pedido de alimentos. Assim, com base nesses dispositivos, é dispensável a assistência de advogado na audiência inicial do procedimento especial da ação de alimentos regido pela Lei nº 5.478/1968.

Vale ressaltar que, logo depois, o juiz deverá designar um advogado ou Defensor Público para fazer a assistência jurídica do credor. Veja:

Art. 2º O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe.

(...)

§ 3º Se o credor comparecer pessoalmente e não indicar profissional que haja concordado em assisti-lo, o juiz designará desde logo quem o deva fazer.

 

Art. 3º O pedido será apresentado por escrito, em 3 (três) vias, e deverá conter a indicação do juiz a quem for dirigido, os elementos referidos no artigo anterior e um histórico sumário dos fatos.

§ 1º Se houver sido designado pelo juiz defensor para assistir o solicitante, na forma prevista no art. 2º, formulará o designado, dentro de 24 (vinte e quatro) horas da nomeação, o pedido, por escrito, podendo, se achar conveniente, indicar seja a solicitação verbal reduzida a termo.

§ 2º O termo previsto no parágrafo anterior será em 3 (três) vias, datadas e assinadas pelo escrivão, observado, no que couber, o disposto no "caput" do presente artigo.

 

ADPF

O Conselho Federal da OAB ajuizou ADPF pedindo para que a expressão “pessoalmente, ou” e todo o art. 3º fossem declarados como não recepcionados pela CF/88.

A OAB alegou que essa previsão seria incompatível com os seguintes princípios constitucionais:

·       isonomia (art. 5º, caput)

·       devido processo legal (art. 5º, LIV),

·       ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV),

·       acesso à justiça (art. 5º XXXV),

·       razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) e

·       direito à defesa técnica (arts. 133 e 134 da CF/88.

 

Nas exatas palavras da petição inicial:

“O direito à defesa técnica é garantia constitucional fundamental do processo, inscrita no art. 133 da Constituição Federal, que prevê a indispensabilidade do advogado para a administração da justiça, e complementada pelo art. 134, que estende esse direito aos hipossuficientes, mediante a criação da Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal.

(...)

A representação por profissional capacitado é mecanismo necessário para assegurar o equilíbrio da relação processual e a efetividade do princípio da isonomia (art. 5º, caput) em juízo.

Sem a adequada representação por advogado ou defensor público, a parte corre graves riscos: seja pelo desconhecimento do direito, seja pela incapacidade de verter os fatos em argumentos jurídicos, seja pelo desequilíbrio de armas em relação à parte adversa, diversos são os elementos aptos a comprovar que a ausência de defesa técnica leva a um acirramento das distâncias que separam a verdade material da verdade em juízo.”

 

Esses argumentos foram acolhidos pelo STF? Essa previsão da Lei de Alimentos é incompatível com a CF/88?

NÃO.

Embora seja reconhecido que o advogado desempenha um papel essencial na administração da justiça, o STF reafirmou que, em determinados procedimentos especiais previstos em lei, a representação por advogado pode ser dispensada, com base no princípio do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF/88) e visando dar maior celeridade a certos ritos processuais.

Esse mesmo princípio fundamenta a dispensa de advogado na Justiça do Trabalho (art. 791 c/c art. 839, CLT) e, na esfera criminal, nos casos de habeas corpus e revisão criminal (art. 623, CPP).

Nesse contexto, o estabelecimento de um rito especial para ações de alimentos reforça a necessidade de assegurar o acesso à Justiça e concretizar o direito constitucional à prestação de alimentos, que se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e no direito à vida (art. 5º, caput, CF/88).

A possibilidade de dispensar o advogado no momento específico da petição inicial em ações de alimentos tem caráter cautelar, buscando resguardar a integridade do alimentando. Essa etapa é prévia à formação do litígio e se justifica pela urgência da demanda, sendo que, nesse momento, ainda não há um conflito formal entre as partes.

Além disso, se o credor comparecer ao juízo sem estar representado por um advogado, o juiz poderá imediatamente nomear um profissional para assisti-lo.

 

Em suma:

É compatível com a Constituição Federal de 1988 a norma da Lei nº 5.478/1968 que dispensa a assistência de advogado na audiência inicial do procedimento especial da ação de alimentos.

STF. Plenário. ADPF 591/DF, Rel. Min. Cristiano Zanin, julgado em 19/08/2024 (Info 1146).


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