quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Decreto estadual não pode estipular prazos prescricionais para a punição de condenados que praticarem falta disciplinar; essa é uma competência privativa da União
O caso concreto foi o seguinte:
O Decreto nº 46.534/2009, editado pelo Governador do
Estado do Rio Grande do Sul, aprovou o regimento disciplinar penitenciário
daquele estado.
Os arts. 36, caput
e parágrafo único e 37, parágrafo único, tratam sobre a prescrição da pretensão
punitiva no âmbito do procedimento destinado a apurar falta disciplinar no
curso da execução da pena.
Esses dispositivos estabelecem que, para punir um preso
por uma falta disciplinar, o Estado precisa:
· Iniciar a investigação em até 60 dias
úteis após ter conhecimento da falta;
· Concluir o procedimento em até 30 dias
úteis (ou no máximo 60, se prorrogado).
Caso não cumpra esses prazos, a punição não poderá mais
ser aplicada.
ADI
O PGR ajuizou ADI contra esses dispositivos supracitados.
O autor alegou que os dispositivos impugnados violam o
art. 22, I, da Constituição Federal, uma vez que “a prescrição da pretensão
punitiva estatal na seara de procedimento para apuração de falta disciplinar no
curso da execução penal constitui matéria de direito penal”.
Argumentou ainda que a Lei de Execução Penal (Lei nº
7.210/1984) nada diz sobre o prazo prescricional para a cominação de sanção
pelo cometimento de falta disciplinar em sede de execução penal.
O PGR salientou que, na falta de lei específica sobre o
tema, o Judiciário vem aplicando, por analogia,
o art. 109, inciso VI, do Código Penal, que estabelece prazo
prescricional de três anos.
Os argumentos invocados
pelo PGR foram acolhidos pelo STF? Esses dispositivos são inconstitucionais?
SIM.
O cumprimento da pena deve seguir as regras estabelecidas
no Código Penal (art. 33) e na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984).
A LEP, por
sua vez, estabelece que, entre os deveres do condenado, está o de manter o
comportamento disciplinado e o de cumprir fielmente a sentença:
Art. 39. Constituem deveres do condenado:
I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
Mais adiante,
no art. 49, o mesmo diploma diferencia as faltas disciplinares, além de prever,
de forma expressa, que somente as faltas leves e médias serão classificadas
pela legislação local:
Art. 49. As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e
graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as
respectivas sanções.
Nesse
contexto, a sanção disciplinar somente pode ser aplicada depois de instaurado o
processo administrativo para apuração de falta grave (tipificadas nos arts. 50,
51 e 52 da LEP), conforme prevê o art. 59 da LEP:
Art. 59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o
procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de
defesa.
Entretanto, a Lei de Execução Penal foi omissa quando ao
prazo prescricional para a formalização do referido procedimento
administrativo.
Apesar da
referida lacuna, o art. 22, I, da CF/88 afirma competir privativamente à União
legislar sobre direito penal e processual:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Pode-se afirmar que o prazo prescricional para
instauração do processo administrativo para apuração de falta disciplinar
constitui matéria revestida de natureza penal, pois interfere diretamente no
exercício da pretensão executória da pena imposta.
Por esse motivo, o STF afirmou que o Decreto impugnado
está maculado pela inconstitucionalidade formal e material.
Na ausência
de norma específica para regular a prescrição da infração disciplinar, deve-se
aplicar o disposto no art. 109, VI, do Código Penal, considerando-se o menor
lapso de tempo previsto, com a finalidade de preencher a lacuna observada na
Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984):
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença
final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste
Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se:
(...)
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um)
ano.
Em suma:
É inconstitucional — por usurpar a
competência privativa da União para legislar sobre direito penal e direito
processual penal (art. 22, I, CF/88) — norma de decreto estadual que determina
a extinção da punibilidade pela prescrição quando não ocorrer, dentro do prazo
nela estabelecido, a instauração ou a conclusão do procedimento destinado a
apurar falta disciplinar no curso da execução da pena.
STF. Plenário. ADI 4.979/RS, Rel. Min. Nunes
Marques, julgado em 19/08/2024 (Info 1146).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade,
julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 36,
caput e parágrafo único, e 37, parágrafo único, ambos do Decreto nº 46.534/2009
do Estado do Rio Grande do Sul - Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado
do Rio Grande do Sul.