Dizer o Direito

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

A parte interpôs um recurso inexistente. Por esse motivo, o recurso não foi conhecido. A parte poderá interpor o recurso correto se ainda estiver dentro do prazo?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação contra Pedro e Paulo.

Paulo, em contestação, alegou a sua ilegitimidade passiva.

Em 30/01/2017, o juiz, em decisão interlocutória, acolheu esse argumento e Paulo foi excluído da lide.

Em 02/02/2017, João interpôs agravo retido contra essa decisão interlocutória.

Em 06/02/2017, o juiz não conheceu do agravo retido proferindo a seguinte decisão:

O autor interpôs agravo retido, recurso que foi extinto pelo novo Código de Processo Civil de 2015, não estando previsto no art. 994. Assim, deixo de conhecer do pedido de fls. 213/215 por se tratar de recurso inexistente. Mantenho a decisão proferida às fls. 203/206 por seus próprios fundamentos.

 

Em 08/02/2017, ou seja, ainda dentro do prazo legal, o autor interpôs agravo de instrumento contra a decisão que reconheceu a ilegitimidade passiva.

Em contrarrazões, Paulo alegou, preliminarmente, ter havido preclusão consumativa, considerando que o autor já havia recorrido da decisão ao interpor o agravo retido.

Argumentou que, em casos de duplicidade recursal, prevalece o primeiro recurso e, assim, o segundo recurso interposto pelo autor não poderia ser conhecido.

 

Os argumentos de Paulo foram acolhidos pelo STJ? Houve preclusão consumativa neste caso?

NÃO.

 

Princípio da taxatividade recursal

De acordo com o princípio da taxatividade recursal, só são considerados recursos aqueles que a lei prevê expressamente. Assim, se não houver previsão legal, a impugnação recursal não existe juridicamente e, por isso, não tem capacidade de produzir efeitos legais.

 

Princípio da unicidade ou unirrecorribilidade

No sistema recursal brasileiro, prevalece o princípio da unicidade ou unirrecorribilidade recursal. Esse princípio determina que, se uma parte apresentar dois recursos contra a mesma decisão, apenas o primeiro será analisado, e o segundo será rejeitado por preclusão consumativa. Isso significa que, uma vez usado o direito de recorrer, ele se esgota, impedindo a análise de recursos apresentados posteriormente.

 

Agravo retido deixou de existir com o CPC/2015

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, houve algumas mudanças em relação aos recursos cabíveis. Uma delas foi a eliminação do agravo retido.

No CPC/2015, as decisões interlocutórias devem ser impugnadas por meio de agravo de instrumento, nas situações previstas no art. 1.015 do CPC/2015, ou como preliminar de apelação, nas outras situações.

 

Agravo retido deve ser considerado inexistente

Portanto, se for apresentado um agravo retido contra uma decisão interlocutória, ele deve ser considerado inexistente, em respeito ao princípio da taxatividade recursal.

A preclusão consumativa pressupõe o exercício de uma faculdade ou poder processual.

Como um recurso inexistente não representa validamente a prática de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa ao apresentá-lo.

Assim, a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) não impede que se apresente o recurso válido e cabível (agravo de instrumento) contra a mesma decisão interlocutória, desde que obviamente seja feito no prazo legal. Não houve preclusão consumativa com a interposição do recurso inexistente.

 

Em suma:

A interposição de um recurso inexistente não gera preclusão consumativa, sendo cabível a subsequente interposição do recurso previsto na legislação. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.141.420-MT, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 6/8/2024 (Info 820).


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