Dizer o Direito

domingo, 22 de setembro de 2024

A decisão que concede progressão é declaratória; a data-base para a concessão da progressão subsequente é data em que o último requisito é cumprido, seja ele objetivo ou subjetivo

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado a uma pena privativa de liberdade de 13 anos e 22 dias, em regime fechado.

Ele estava cumprindo a pena.

 

Pedido de progressão

Em 07 de janeiro de 2021, João cumpriu a quantidade de pena necessária para a progressão de regime para o semiaberto. Em outras palavras, ele preencheu o requisito objetivo para a progressão de regime.

A Defensoria Pública, que fazia a assistência jurídica do apenado, formulou pedido de progressão de regime, anexando, atestado de bom comportamento carcerário para comprovar também o preenchimento do requisito subjetivo.

O Ministério Público concordou que o apenado já tinha implementado o requisito objetivo (transcurso da fração necessária de cumprimento da pena). No entanto, discordou da presença do requisito subjetivo (bom comportamento carcerário). O Promotor argumentou que o apenado teria praticado, em 2019, falta disciplinar.

 

Constatação do requisito subjetivo por meio de exame criminológico

Diante desse cenário, o juiz da execução penal determinou que, antes de decidir, deveria ser realizado um exame criminológico (obs: nessa época, o exame criminológico não era obrigatório, mas sim facultativo).

Em 07 de maio de 2021, foi realizado o exame criminológico e o resultado foi favorável ao apenado.

 

Decisão concedendo a progressão

Em 07 de junho de 2021, o juiz, reconhecendo a presença dos requisitos objetivo e subjetivo, concedeu a progressão de regime. Assim, João deixou o regime fechado para iniciar cumprimento de sua pena no regime semiaberto.

Até aqui, sem maiores controvérsias.

 

Pedido de progressão para o regime aberto

Ocorre que, passado algum tempo, a Defensoria Pública deu entrada em um novo pedido de progressão, dessa vez para o regime aberto.

Para afirmar que João já havia cumprido a fração de pena necessária no regime semiaberto (de modo a progredir para o aberto), a Defensoria utilizou como marco inicial a data de 07 de janeiro de 2021.

Em outras palavras, para a Defensoria, o marco inicial para a progressão para o regime aberto deveria ser a data em que João cumpriu o requisito objetivo para migrar do regime fechado para o semiaberto.

O Ministério Público discordou. O Promotor de Justiça argumentou que o marco inicial para a contagem seria, no caso, a data em que efetivamente foi deferida a progressão (07 de junho de 2021). Isso porque a decisão que defere a progressão de regime não tem natureza constitutiva, senão declaratória.

 

Resumindo a controvérsia: qual é o termo inicial (data-base) para a próxima progressão de regime?

Para a Defensoria, seria a data em que preenchido o requisito objetivo.

Para o MP, seria a data em que efetivamente foi deferida a progressão.

 

Quem tem razão neste caso hipotético: a Defensoria ou o Ministério Público?

Nenhum dos dois.

O termo inicial para a progressão de regime deverá ser a data em que preenchidos os dois requisitos, ou seja, objetivo e o subjetivo.

A data-base para a concessão de nova progressão de regime é o dia em que o último requisito (objetivo ou subjetivo) do art. 112 da Lei nº 7.210/1984 estiver preenchido, tendo em vista que o dispositivo legal exige a concomitância de ambos para o deferimento do benefício.

Essa data deverá ser definida de forma casuística (caso a caso). Isso porque pode acontecer de algumas vezes o requisito objetivo ser preenchido antes e outras vezes depois do requisito subjetivo.

Assim, o termo inicial será o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.

Se por último for preenchido o requisito subjetivo, independentemente da anterior implementação do requisito objetivo, será aquele (o subjetivo) o marco para fixação da data-base para efeito de nova progressão de regime.

A data em que a progressão foi deferida não pode ser utilizada como data base (termo inicial) para a próxima progressão. Isso porque a decisão que defere a progressão de regime não tem natureza constitutiva, mas sim declaratória.

 

Tese fixada:

A decisão que defere a progressão de regime não tem natureza constitutiva, senão declaratória. O termo inicial para a progressão de regime deverá ser a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo descritos no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), e não a data em que efetivamente foi deferida a progressão. Essa data deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo. Se por último for preenchido o requisito subjetivo, independentemente da anterior implementação do requisito objetivo, será aquele (o subjetivo) o marco para fixação da data-base para efeito de nova progressão de regime. 

STJ. 3ª Seção. REsp 1.972.187-SP, REsp 1.976.197-RS, REsp 1.976.210-RS, 1.973.589-SP e REsp 1.973.105-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgados em 14/8/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 1.165) (Info 821).

 

Esse é também o entendimento do STF:

A definição da data-base para a progressão de regime decorre do cumprimento cumulativo dos requisitos objetivo e subjetivo.

STF. 2ª Turma. HC 210506 AgR, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 14-03-2022.

 

No nosso exemplo hipotético, qual seria a data-base para a efeito de nova progressão de regime?

07 de maio de 2021, data em que foi realizado o exame criminológico e o resultado foi favorável ao apenado. Nesse sentido:

Sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior.

No caso em tela, foi solicitado exame criminológico para a verificação do preenchimento do requisito subjetivo para progressão de regime, cujo parecer restou favorável ao apenado, devendo, desse modo, ser considerado o dia da realização da referida perícia como data-base para a concessão do futuro benefício.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.103.527/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/5/2024.


Print Friendly and PDF