Imagine a seguinte situação
hipotética:
A polícia instaurou inquérito
para investigar um grupo de cinco indivíduos suspeitos de praticar tráfico de
drogas: João, Pedro, Tiago, Ricardo e Rodolfo.
Com base os elementos
informativos colhidos, o juiz autorizou a realização de busca e apreensão nas
residências dos suspeitos.
Na operação, foi encontrada droga
apenas na casa de João.
Mesmo assim, havia provas do
envolvimento dos demais suspeitos nas operações de venda de entorpecentes.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra todos os
membros do grupo imputando-lhes o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº
11.343/2006):
Art. 33. Importar, exportar, remeter,
preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em
depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar
a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa.
O juiz condenou João e absolveu
os demais.
O magistrado invocou, na
sentença, o seguinte julgado do STJ:
A apreensão e perícia de drogas se revelam imprescindíveis para
a condenação do acusado pela prática do crime de tráfico de drogas. Na ausência
de apreensão de substâncias entorpecentes, os demais elementos de prova, por si
sós, ainda que em conjunto, não se prestam à comprovação da materialidade
delitiva.
STJ. 3ª Seção. HC 686.312/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
relator para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/4/2023.
Como não houve apreensão direta de
droga com Pedro, Tiago, Ricardo e Rodolfo, eles deveriam ser absolvidos por
ausência de materialidade.
O STJ concordou com os argumentos
do magistrado?
NÃO.
De fato, a apreensão e perícia da
substância entorpecente é imprescindível para a comprovação da materialidade do
crime de tráfico de drogas. No entanto, isso não significa que é necessário que
seja encontrada droga com todos os integrantes do grupo criminoso.
Assim, a caracterização do crime
de tráfico de drogas não exige que a droga seja apreendida com cada um dos
acusados individualmente. Se ficar demonstrado o vínculo subjetivo entre os
agentes, a apreensão de drogas com um deles já é suficiente para indicar, ao
menos em tese, a prática do delito.
Desse modo, a simples ausência de
drogas na posse direta do acusado não elimina a materialidade do crime de
tráfico quando estiver demonstrada sua ligação com outros membros da mesma
organização criminosa que mantinham os entorpecentes destinados ao comércio
ilegal (HC 536.222/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 4/8/2020).
A doutrina aponta que o tráfico
de drogas é organizado de maneira complexa, com uma estrutura hierárquica que
atribui diferentes níveis de importância e participação aos envolvidos,
indicando diferentes papéis nas 'redes' do tráfico, desde as funções mais
insignificantes até as ações altamente engajadas e com domínio sobre o
resultado final.
Nessa estrutura complexa, há
diversos atores interligados. Como exemplos, podemos citar:
• “Olheiros” ou “fogueteiros”:
indivíduos responsáveis por alertar os superiores sobre a aproximação da
polícia;
• “Vapor”: encarregado da venda e
distribuição de drogas;
• Responsáveis pelo fluxo das
mercadorias ilícitas;
• “Donos do morro”: aqueles que
comandam e recebem grande parte dos lucros obtidos com o comércio de drogas.
Na prática, observa-se que muitos
integrantes de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas, inclusive
os chefes, raramente são flagrados com a droga em sua posse direta, pois essa
tarefa é delegada a pessoas de menor “prestígio” dentro da estrutura do
narcotráfico. No entanto, isso não os exime de responder pelo crime de tráfico
de drogas, desde que o vínculo subjetivo entre os agentes seja comprovado.
Portanto, a absolvição dos réus
contrariou a jurisprudência do STJ, pois a situação em que a droga é apreendida
apenas com os corréus, ou mesmo com terceiros não identificados, é diferente
daquelas em que não há apreensão de droga alguma. Nesse último caso, realmente
não é possível condenar alguém pela suposta prática do crime de tráfico de
drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) por falta de provas da materialidade do
delito.
Em suma:
Para a caracterização do crime de tráfico de drogas
basta que, evidenciado o liame subjetivo entre os agentes, haja a apreensão de
drogas com apenas um deles para que esteja evidenciada a prática do
delito.
STJ. 6ª
Turma. AgRg no AgRg no AgRg no AREsp 2.470.304-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 4/6/2024 (Info 21 – Edição Extraordinária).