Dizer o Direito

domingo, 1 de setembro de 2024

A apreensão da droga é imprescindível para a comprovação da materialidade do crime de tráfico. No entanto, isso não significa que é necessário que seja encontrada droga com todos os integrantes do grupo criminoso

Imagine a seguinte situação hipotética:

A polícia instaurou inquérito para investigar um grupo de cinco indivíduos suspeitos de praticar tráfico de drogas: João, Pedro, Tiago, Ricardo e Rodolfo.

Com base os elementos informativos colhidos, o juiz autorizou a realização de busca e apreensão nas residências dos suspeitos.

Na operação, foi encontrada droga apenas na casa de João.

Mesmo assim, havia provas do envolvimento dos demais suspeitos nas operações de venda de entorpecentes.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra todos os membros do grupo imputando-lhes o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006):

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

 

O juiz condenou João e absolveu os demais.

O magistrado invocou, na sentença, o seguinte julgado do STJ:

A apreensão e perícia de drogas se revelam imprescindíveis para a condenação do acusado pela prática do crime de tráfico de drogas. Na ausência de apreensão de substâncias entorpecentes, os demais elementos de prova, por si sós, ainda que em conjunto, não se prestam à comprovação da materialidade delitiva.

STJ. 3ª Seção. HC 686.312/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/4/2023.

 

Como não houve apreensão direta de droga com Pedro, Tiago, Ricardo e Rodolfo, eles deveriam ser absolvidos por ausência de materialidade.

 

O STJ concordou com os argumentos do magistrado?

NÃO.

De fato, a apreensão e perícia da substância entorpecente é imprescindível para a comprovação da materialidade do crime de tráfico de drogas. No entanto, isso não significa que é necessário que seja encontrada droga com todos os integrantes do grupo criminoso.

Assim, a caracterização do crime de tráfico de drogas não exige que a droga seja apreendida com cada um dos acusados individualmente. Se ficar demonstrado o vínculo subjetivo entre os agentes, a apreensão de drogas com um deles já é suficiente para indicar, ao menos em tese, a prática do delito.

Desse modo, a simples ausência de drogas na posse direta do acusado não elimina a materialidade do crime de tráfico quando estiver demonstrada sua ligação com outros membros da mesma organização criminosa que mantinham os entorpecentes destinados ao comércio ilegal (HC 536.222/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 4/8/2020).

A doutrina aponta que o tráfico de drogas é organizado de maneira complexa, com uma estrutura hierárquica que atribui diferentes níveis de importância e participação aos envolvidos, indicando diferentes papéis nas 'redes' do tráfico, desde as funções mais insignificantes até as ações altamente engajadas e com domínio sobre o resultado final.

Nessa estrutura complexa, há diversos atores interligados. Como exemplos, podemos citar:

• “Olheiros” ou “fogueteiros”: indivíduos responsáveis por alertar os superiores sobre a aproximação da polícia;

• “Vapor”: encarregado da venda e distribuição de drogas;

• Responsáveis pelo fluxo das mercadorias ilícitas;

• “Donos do morro”: aqueles que comandam e recebem grande parte dos lucros obtidos com o comércio de drogas.

 

Na prática, observa-se que muitos integrantes de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas, inclusive os chefes, raramente são flagrados com a droga em sua posse direta, pois essa tarefa é delegada a pessoas de menor “prestígio” dentro da estrutura do narcotráfico. No entanto, isso não os exime de responder pelo crime de tráfico de drogas, desde que o vínculo subjetivo entre os agentes seja comprovado.

Portanto, a absolvição dos réus contrariou a jurisprudência do STJ, pois a situação em que a droga é apreendida apenas com os corréus, ou mesmo com terceiros não identificados, é diferente daquelas em que não há apreensão de droga alguma. Nesse último caso, realmente não é possível condenar alguém pela suposta prática do crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) por falta de provas da materialidade do delito.

 

Em suma:

Para a caracterização do crime de tráfico de drogas basta que, evidenciado o liame subjetivo entre os agentes, haja a apreensão de drogas com apenas um deles para que esteja evidenciada a prática do delito. 

STJ. 6ª Turma. AgRg no AgRg no AgRg no AREsp 2.470.304-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 4/6/2024 (Info 21 – Edição Extraordinária).


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