Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro foi registrado apenas com o
nome de sua mãe.
Quando completou 25 anos, Pedro
descobriu que seu pai é João, um rico empresário com que sua mãe teve um breve
relacionamento.
Pedro decide ingressar com ação
de investigação de paternidade contra João.
Durante o processo, João,
desejando evitar uma longa disputa judicial e a exposição pública, propõe a
Pedro um acordo: ele reconheceria a paternidade e, em troca, pagaria uma
indenização considerável a Pedro. No entanto, havia uma condição importante:
Pedro deveria renunciar a qualquer direito de herança futura, comprometendo-se
a não reivindicar nenhum patrimônio de João após sua morte.
Pedro, precisando do dinheiro
imediatamente e querendo encerrar logo o processo, aceita o acordo. O pacto é
homologado judicialmente, encerrando o processo de investigação de paternidade.
João morreu e seu
testamento excluiu Pedro da herança
Anos depois, João falece,
deixando um grande patrimônio.
João deixou também um testamento e
nele Pedro foi excluído expressamente da sucessão com base na cláusula do
acordo homologado judicialmente anos atrás.
Ação declaratória de
nulidade
Arrependido e inconformado, Pedro
ingressou com ação declaratória de nulidade, alegando que a cláusula que o
privou de seus direitos hereditários é nula.
O autor argumentou que o
ordenamento jurídico brasileiro proíbe a renúncia antecipada de herança de
pessoa viva, considerando que isso caracteriza o chamado “Pacto de Corvina”,
que é expressamente vedado pela lei.
A controvérsia chegou até o
STJ. O que foi decidido?
A cláusula de renúncia a
direitos hereditários futuros é nula, por violar a proibição do Pacto de
Corvina
Não é válida a cláusula, firmada
em transação judicial, que encerrou ação investigatória de paternidade, por
meio da qual as partes reconheceram a relação de filiação, porém o genitor
efetuou pagamento de indenização ao filho, mediante a renúncia do herdeiro a
quaisquer outras indenizações ou direitos hereditários.
De acordo com o art. 1.089 do
CC/1916 (vigente à época dos fatos): “Não pode ser objeto de contrato a herança
de pessoa viva”.
Essa mesma previsão foi repetida no art. 426 do Código Civil
de 2002:
Art. 426. Não pode ser objeto de
contrato a herança de pessoa viva.
Esse dispositivo proíbe o chamado
Pacto de Corvina, contaminando de nulidade absoluta o negócio jurídico.
“Pacta
corvina
É uma
expressão em latim que significa “acordo do corvo”. Tal foi criada pois o corvo
tem hábito alimentar carniceiro e fica ao entorno de outro animal, aguardando a
sua morte, para se aproveitar de seus restos mortais. Por isso a expressão é
utilizada: para se assemelhar à pessoa que tem interesse no patrimônio de
alguém ainda vivo e faz com esse contrato bilateral para garantir bens após a
sua morte o que é vedado pelo ordenamento jurídico.” (LOPES JR., Jaylton;
BORGES, Gláucia. Dicionário prático de direito das sucessões. Salvador:
Juspovidvm, 2024, p. 133).
Assim, é ilícita a renúncia
antecipada a direitos hereditários. O ato do herdeiro de abdicar da herança
somente pode se dar após aberta a sucessão.
Ainda que eventualmente as partes
detivessem, ao tempo da transação, a vontade de colocar fim a celeumas
familiares, mediante o reconhecimento de paternidade, fato é que o negócio
jurídico encampado na transação significou renúncia antecipada dos direitos
hereditários de titularidade do ora recorrente, objeto vedado expressamente
pelo ordenamento jurídico pátrio.
Pedro não pode ser
totalmente excluído da herança, por ser herdeiro necessário, mas Pedro poderia ter
reduzido a parte da herança destinada a ele, desde que respeitasse a legítima
Não é dado ao testador excluir o
herdeiro necessário de sua sucessão (arts. 1.789 e 1.846 do CC/2002), sendo-lhe
lícito, contudo, diminuir o quinhão hereditário de determinado sucessor, desde
que respeitada a respectiva legítima.
Art. 1.789. Havendo herdeiros
necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
Art. 1.846. Pertence aos
herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança,
constituindo a legítima.
Em suma:
Viola a proibição legal do Pacto de Corvina cláusula
de acordo judicial que exclui do herdeiro o direito de participar de futura
sucessão, mediante renúncia antecipada ao quinhão hereditário.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.112.700/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/4/2024 (Info 20
– Edição Extraordinária).