Dizer o Direito

sábado, 24 de agosto de 2024

Viola a proibição legal do Pacto de Corvina cláusula de acordo judicial que exclui do herdeiro o direito de participar de futura sucessão, mediante renúncia antecipada ao quinhão hereditário

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro foi registrado apenas com o nome de sua mãe.

Quando completou 25 anos, Pedro descobriu que seu pai é João, um rico empresário com que sua mãe teve um breve relacionamento.

Pedro decide ingressar com ação de investigação de paternidade contra João.

Durante o processo, João, desejando evitar uma longa disputa judicial e a exposição pública, propõe a Pedro um acordo: ele reconheceria a paternidade e, em troca, pagaria uma indenização considerável a Pedro. No entanto, havia uma condição importante: Pedro deveria renunciar a qualquer direito de herança futura, comprometendo-se a não reivindicar nenhum patrimônio de João após sua morte.

Pedro, precisando do dinheiro imediatamente e querendo encerrar logo o processo, aceita o acordo. O pacto é homologado judicialmente, encerrando o processo de investigação de paternidade.

 

João morreu e seu testamento excluiu Pedro da herança

Anos depois, João falece, deixando um grande patrimônio.

João deixou também um testamento e nele Pedro foi excluído expressamente da sucessão com base na cláusula do acordo homologado judicialmente anos atrás.

 

Ação declaratória de nulidade

Arrependido e inconformado, Pedro ingressou com ação declaratória de nulidade, alegando que a cláusula que o privou de seus direitos hereditários é nula.

O autor argumentou que o ordenamento jurídico brasileiro proíbe a renúncia antecipada de herança de pessoa viva, considerando que isso caracteriza o chamado “Pacto de Corvina”, que é expressamente vedado pela lei.

 

A controvérsia chegou até o STJ. O que foi decidido?

 

A cláusula de renúncia a direitos hereditários futuros é nula, por violar a proibição do Pacto de Corvina

Não é válida a cláusula, firmada em transação judicial, que encerrou ação investigatória de paternidade, por meio da qual as partes reconheceram a relação de filiação, porém o genitor efetuou pagamento de indenização ao filho, mediante a renúncia do herdeiro a quaisquer outras indenizações ou direitos hereditários.

De acordo com o art. 1.089 do CC/1916 (vigente à época dos fatos): “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

Essa mesma previsão foi repetida no art. 426 do Código Civil de 2002:

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

 

Esse dispositivo proíbe o chamado Pacto de Corvina, contaminando de nulidade absoluta o negócio jurídico.

 

“Pacta corvina

É uma expressão em latim que significa “acordo do corvo”. Tal foi criada pois o corvo tem hábito alimentar carniceiro e fica ao entorno de outro animal, aguardando a sua morte, para se aproveitar de seus restos mortais. Por isso a expressão é utilizada: para se assemelhar à pessoa que tem interesse no patrimônio de alguém ainda vivo e faz com esse contrato bilateral para garantir bens após a sua morte o que é vedado pelo ordenamento jurídico.” (LOPES JR., Jaylton; BORGES, Gláucia. Dicionário prático de direito das sucessões. Salvador: Juspovidvm, 2024, p. 133).

 

Assim, é ilícita a renúncia antecipada a direitos hereditários. O ato do herdeiro de abdicar da herança somente pode se dar após aberta a sucessão.

Ainda que eventualmente as partes detivessem, ao tempo da transação, a vontade de colocar fim a celeumas familiares, mediante o reconhecimento de paternidade, fato é que o negócio jurídico encampado na transação significou renúncia antecipada dos direitos hereditários de titularidade do ora recorrente, objeto vedado expressamente pelo ordenamento jurídico pátrio.

 

Pedro não pode ser totalmente excluído da herança, por ser herdeiro necessário, mas Pedro poderia ter reduzido a parte da herança destinada a ele, desde que respeitasse a legítima

Não é dado ao testador excluir o herdeiro necessário de sua sucessão (arts. 1.789 e 1.846 do CC/2002), sendo-lhe lícito, contudo, diminuir o quinhão hereditário de determinado sucessor, desde que respeitada a respectiva legítima.

 

Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.

 

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

 

Em suma:

Viola a proibição legal do Pacto de Corvina cláusula de acordo judicial que exclui do herdeiro o direito de participar de futura sucessão, mediante renúncia antecipada ao quinhão hereditário. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.112.700/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/4/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).


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