Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina é uma mãe solteira que
mora com sua filha Clara, de 8 anos, em uma pequena cidade do interior de Minas
Gerais.
Clara foi vítima de um acidente
causado por empregados da empresa Alfa, que atua no Município.
Regina buscou, então, auxílio de
um advogado para pleitear os direitos de sua filha.
Diante desse cenário, Clara,
representada por sua mãe Regina, ajuizou ação de indenização por danos
materiais e morais contra a empresa Alfa.
João, pai de Clara, não figurou
como representante na ação porque mora em outra cidade e tem pouco contato com
a filha.
A empresa Alfa, em sede de
contestação, alegou, preliminarmente, defeito na representação, afirmando que a
menor impúbere deve ser representada pela mãe e pelo pai, e não apenas por um
deles.
A autora, menor de idade,
poderia ter ajuizado a ação de indenização estando representada apenas por sua
mãe, ou se seria necessário, no caso, que estivesse representada por seu pai
também? O argumento da empresa Alfa foi aceito pelo STJ?
NÃO.
Se formos analisar os arts.
1.631, 1.632, 1.634 e 1.690 do Código Civil, juntamente com o art. 71 do
CPC/2015, não encontraremos a resposta para essa pergunta. Isso porque esses
dispositivos não determinam expressamente se a representação judicial dos filhos
deve ser realizada por ambos os genitores em conjunto, ou se pode ser feita por
apenas um deles.
Código Civil
Art. 1.690. Compete aos pais, e
na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores
de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem
emancipados.
CPC/2015
Art. 71. O incapaz será
representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da
lei.
É importante destacar, contudo,
que, na ausência de uma disposição expressa exigindo a representação conjunta,
esses artigos mencionados devem ser interpretados de modo a permitir que
os pais atuem juntos ou separadamente na representação judicial dos filhos,
conforme decidirem.
Se essas normas fossem
interpretadas de forma a exigir a atuação conjunta dos pais, isso poderia
causar prejuízos aos menores, dificultando sua representação processual. Um
exemplo disso é a situação em que uma mãe solteira seria obrigada a localizar o
pai da criança para que ele também atuasse como representante, o que poderia
criar obstáculos desnecessários. Além disso, tal exigência poderia inviabilizar
o exercício de direitos fundamentais, como em ações de alimentos movidas contra
um dos genitores, onde a exigência da representação conjunta seria impraticável
ou prejudicial ao interesse do menor.
Assim, embora exista divergência jurisprudencial
sobre o tema, a tese que deve prevalecer é a de que a representação processual
de menor impúbere pode ser exercida tanto conjuntamente pelos genitores quanto
separadamente por cada um deles, exceto nos casos de destituição do poder
familiar, ausência ou conflito de interesses.
Essa é a posição também de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
Andrade Nery:
“De
acordo com a CF 226, § 5º, o poder familiar é exercido igualmente pelo pai e
pela mãe (CC 1631caput; ECA 21). Estando no exercício do poder familiar,
qualquer um dos dois, sozinho, pode ser representante ou assistente do filho
absoluta ou relativamente incapaz.” (NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria
Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016)
Regra geral:
Se um menor impúbere (menor de 16
anos) for ajuizar uma ação, ele precisa ser representado pelos pais. Essa representação
processual pode ser exercida:
• em conjunto pelos genitores
(pai e mãe);
• separadamente, por cada um dos
genitores.
Exceções:
A regra geral não se aplica nas
seguintes situações:
1) o pai ou a mãe tiver sido
destituído do poder familiar (neste caso, ele/a não poderá representar);
2) em caso de ausência de um dos
genitores (ex: se um morreu);
3) quando existir potencial
conflito de interesses entre o menor e um dos genitores.
Em suma:
A representação processual de menor impúbere pode ser
exercida em conjunto pelos genitores ou separadamente, por cada um deles,
ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar, ausência ou de
potencial conflito de interesses.
STJ. 4ª Turma.
REsp 1.462.840-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/5/2024 (Info
20 – Edição Extraordinária).