Dizer o Direito

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Se uma criança for ingressar com ação judicial, ela precisa estar representada pela mãe e o pai, ou pode ser por apenas um deles?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina é uma mãe solteira que mora com sua filha Clara, de 8 anos, em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais.

Clara foi vítima de um acidente causado por empregados da empresa Alfa, que atua no Município.

Regina buscou, então, auxílio de um advogado para pleitear os direitos de sua filha.

Diante desse cenário, Clara, representada por sua mãe Regina, ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a empresa Alfa.

João, pai de Clara, não figurou como representante na ação porque mora em outra cidade e tem pouco contato com a filha.

A empresa Alfa, em sede de contestação, alegou, preliminarmente, defeito na representação, afirmando que a menor impúbere deve ser representada pela mãe e pelo pai, e não apenas por um deles.

 

A autora, menor de idade, poderia ter ajuizado a ação de indenização estando representada apenas por sua mãe, ou se seria necessário, no caso, que estivesse representada por seu pai também? O argumento da empresa Alfa foi aceito pelo STJ?

NÃO.

Se formos analisar os arts. 1.631, 1.632, 1.634 e 1.690 do Código Civil, juntamente com o art. 71 do CPC/2015, não encontraremos a resposta para essa pergunta. Isso porque esses dispositivos não determinam expressamente se a representação judicial dos filhos deve ser realizada por ambos os genitores em conjunto, ou se pode ser feita por apenas um deles.

 

Código Civil

Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.

 

CPC/2015

Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei.

 

É importante destacar, contudo, que, na ausência de uma disposição expressa exigindo a representação conjunta, esses artigos mencionados devem ser interpretados de modo a permitir que os pais atuem juntos ou separadamente na representação judicial dos filhos, conforme decidirem.

Se essas normas fossem interpretadas de forma a exigir a atuação conjunta dos pais, isso poderia causar prejuízos aos menores, dificultando sua representação processual. Um exemplo disso é a situação em que uma mãe solteira seria obrigada a localizar o pai da criança para que ele também atuasse como representante, o que poderia criar obstáculos desnecessários. Além disso, tal exigência poderia inviabilizar o exercício de direitos fundamentais, como em ações de alimentos movidas contra um dos genitores, onde a exigência da representação conjunta seria impraticável ou prejudicial ao interesse do menor.

Assim, embora exista divergência jurisprudencial sobre o tema, a tese que deve prevalecer é a de que a representação processual de menor impúbere pode ser exercida tanto conjuntamente pelos genitores quanto separadamente por cada um deles, exceto nos casos de destituição do poder familiar, ausência ou conflito de interesses.

Essa é a posição também de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery:

“De acordo com a CF 226, § 5º, o poder familiar é exercido igualmente pelo pai e pela mãe (CC 1631caput; ECA 21). Estando no exercício do poder familiar, qualquer um dos dois, sozinho, pode ser representante ou assistente do filho absoluta ou relativamente incapaz.” (NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

 

Regra geral:

Se um menor impúbere (menor de 16 anos) for ajuizar uma ação, ele precisa ser representado pelos pais. Essa representação processual pode ser exercida:

• em conjunto pelos genitores (pai e mãe);

• separadamente, por cada um dos genitores.

 

Exceções:

A regra geral não se aplica nas seguintes situações:

1) o pai ou a mãe tiver sido destituído do poder familiar (neste caso, ele/a não poderá representar);

2) em caso de ausência de um dos genitores (ex: se um morreu);

3) quando existir potencial conflito de interesses entre o menor e um dos genitores.

 

Em suma:

A representação processual de menor impúbere pode ser exercida em conjunto pelos genitores ou separadamente, por cada um deles, ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar, ausência ou de potencial conflito de interesses. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.462.840-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/5/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).


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