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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Se a Fazenda Pública não impugnar a execução, mesmo assim, ela deverá pagar honorários advocatícios?

Fazenda Pública foi condenada a pagar quantia

João, servidor público estadual, ingressou com ação contra o Estado de São Paulo pedindo para que fosse incluído, em seus vencimentos, o adicional por tempo de serviço, com o pagamento das parcelas pretéritas dos últimos cinco anos.

O pedido foi julgado procedente e houve o trânsito em julgado.

 

Cumprimento de sentença

João iniciou a fase de cumprimento de sentença pedindo o pagamento das parcelas retroativas.

A Fazenda não impugnou a execução.

Diante disso, o juiz determinou que a quantia fosse paga ao servidor público mediante requisição de pequeno valor (RPV).

Na decisão, o magistrado afirmou que não seriam devidos honorários advocatícios considerando que não houve resistência da Fazenda Pública ao cumprimento de sentença (não houve impugnação à pretensão executória).

O juiz invocou como fundamento o § 7º do art. 85 do CPC/2015, que tem a seguinte redação:

Art. 85 (...)

§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.

 

João interpôs agravo de instrumento alegando que o § 7º do art. 85 fala em precatório. Ocorre que o caso concreto envolve RPV, não se aplicando, portanto, esse dispositivo.

O Tribunal de Justiça manteve a decisão, razão pela qual João interpôs recurso especial.

 

A questão jurídica, portanto, é a seguinte: o § 7º do art. 85 do CPC também alcança o cumprimento de sentença que enseje a expedição de Requisição de Pequeno Valor? Se a Fazenda Pública deixar de impugnar o cumprimento de sentença ela fica dispensada do pagamento de honorários?

SIM. O STJ concordou com a decisão do juiz, confirmada pelo Tribunal de Justiça.

Esse assunto passou por três “fases” na jurisprudência:

 

1ª fase: a Fazenda Pública deveria pagar honorários advocatícios na execução, mesmo que não apresentasse embargos à execução

Em 2003, a Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que, na execução de título judicial, ainda que não embargada, os honorários sucumbenciais seriam devidos:

Na execução de título judicial, embargada ou não, é cabível a condenação de honorários de advogado, ainda que devedora a Fazenda Nacional.

STJ. Corte Especial. EREsp 217.883/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 1/9/2003.

 

2ª fase: não seriam devidos honorários se fosse execução submetida à precatório, mas incidiram os honorários em caso de execução que gerasse RPV

O art. 1º-D da Lei nº 9.494/97 preconiza o seguinte:

Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.  (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

 

Ao julgar o Recurso Extraordinário 420.816/PR, o STF afirmou que:

• o art. 1º-D da Lei nº 9.494/97 é constitucional;

• no entanto, ele somente se aplicaria para as execuções que gerem precatório;

• logo, o art. 1º-D da Lei 9.494/97 não se aplicaria para execuções submetidas à RPV.

 

(...) IV. Fazenda Pública: execução não embargada: honorários de advogado: constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal, com interpretação conforme ao art. 1º-D da L. 9.494/97, na redação que lhe foi dada pela MPr 2.180-35/2001, de modo a reduzir-lhe a aplicação à hipótese de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (C. Pr. Civil, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidos em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 3º).

STF. Plenário. RE 420816, Relator(a) p/ Acórdão: Sepúlveda Pertence, julgado em 29/09/2004.

 

A Primeira Seção do STJ acompanhou esse entendimento:

(...) São devidos, portanto, honorários em execução, mesmo que não-embargada, cujo crédito seja de pequeno valor, id est, com valores inferiores a sessenta (60) salários-mínimos, pagos por intermédio de requisições de pequeno valor (RPV). (...)

STJ. 1ª Seção. EREsp 676.719/SC, Rel. Min. José Delgado, julgado em 28/9/2005.

 

Essa posição vigorou até junho de 2024 quando o STJ, ao julgar o Tema 1190, mudou seu entendimento.

 

3ª fase: se a Fazenda Pública não impugnar a execução, não deverá pagar honorários advocatícios (seja precatório, seja RPV)

O fundamento para o entendimento anterior era o art. 1º-D da Lei nº 9.494/97.

Ocorre que o CPC/2015 reafirmou a conclusão em seu art. 85, § 7º.

Ao reanalisar o tema, à luz do art. 85, § 7º, do CPC/2015, o STJ decidiu que:

Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor - RPV. 

STJ. 1ª Seção. REsp 2.029.636-SP, REsp 2.029.675-SP, REsp 2.030.855-SP e REsp 2.031.118-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgados em 20/6/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 1190) (Info 818).

 

Destaco os trechos relevantes do voto condutor do acórdão, que fundamentaram a virada de entendimento:

O CPC/2015 dispõe, em seu art. 85, §§ 1º e 7º:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

(…)

§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.

 

O § 7º do art. 85 do CPC/2015, mesmo falando apenas em “expedição de precatório” também se aplica para o cumprimento de sentença que enseje a expedição de RPV.

A razão para isso está no princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes.

No cumprimento de sentença que impõe a obrigação de pagar quantia certa, os entes públicos não têm a opção de adimplir voluntariamente.

Ainda que não haja impugnação, o CPC vigente impõe rito próprio que deverá ser observado pelas partes, qual seja, o requerimento do exequente, que deverá apresentar demonstrativo discriminado do crédito (art. 534 do CPC), seguido da ordem do juiz para pagamento da quantia, que será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência mais próxima da residência do exequente (art. 535, § 3º, II, do CPC).

 

Desse modo, o CPC determina que o Poder Público deve aguardar ordem do juiz para o depósito do montante devido. A partir de então, o pagamento da obrigação será feito no prazo de dois meses.

Por tudo isso, a mudança da jurisprudência do STJ é necessária.

 

Modulação dos efeitos

Como se trata de mudança de entendimento, houve modulação dos efeitos, de modo que a tese repetitiva deve ser aplicada apenas nos cumprimentos de sentença iniciados após a publicação do acórdão (DJe 01/07/2024).


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