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domingo, 4 de agosto de 2024

Para o STJ, o serviço de fretamento colaborativo oferecido pela BUSER é legal?

BUSER

A Buser é uma empresa de fretamento colaborativo que conecta pessoas que querem viajar para o mesmo destino com empresas de fretamento executivo.

A Buser não possui sua própria frota de ônibus, mas freta veículos de empresas parceiras para oferecer viagens intermunicipais.

O modelo de “fretamento colaborativo” permite dividir os custos do frete entre os passageiros de um mesmo grupo de viagem, resultando em passagens mais baratas.

A Buser atua como uma plataforma tecnológica que facilita a conexão entre os passageiros e as empresas de fretamento.

 

Ação proposta pelas empresas de transporte

Em julho/2018, a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados do Paraná e de Santa Catarina – FEPASC tomou conhecimento de que a Buser estava anunciando o início de diversas linhas entre Curitiba e São Paulo por valores muito inferiores aos praticados pelas empresas regulares de transporte. Inclusive, os horários coincidiam com outras linhas comercializadas por empresas regulares.

Diante disso, a FEPASC ingressou com ação contra a União, a ANTT e a BUSER BRASIL TECNOLOGIA LTDA, pedindo que fosse reconhecida e declarada a ilegalidade e a invalidade do modelo do BUSER de oferta de transporte regular intermunicipal de passageiros, ordenando-se à BUSER que se abstenha de realizar a atividade em questão.

A autora argumentou, em síntese, que a BUSER não tinha autorização federal específica para implantar a rota desejada (transporte interestadual de passageiros).

Para a FEPASC, a BUSER não poderia ser comparado com o Uber, pois o serviço de táxi no Brasil (ao contrário do transporte interestadual) jamais foi qualificado como serviço público, muito menos organizado em rede.

A Lei nº 10.233/2001 (que regulamenta os transportes aquaviário e terrestre), em seu art. 14, III, “j”, veda a prestação de serviços de transporte coletivo de passageiros, de qualquer natureza, que não tenham sido autorizados, concedidos ou permitidos pela autoridade competente:

Art. 14. Ressalvado o disposto em legislação específica, o disposto no art. 13 aplica-se conforme as seguintes diretrizes:

(...)

III - depende de autorização:

(...)

j) transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros, que terá regulamentação específica expedida pela ANTT;

 

Segundo a autora, o serviço oferecido pela BUSER não configura serviço de fretamento, mas sim transporte clandestino, pois as empresas de ônibus por ele cadastradas estão autorizadas apenas a fazer o serviço de fretamento. Esse serviço de fretamento somente poderia ocorrer nas hipóteses elencadas pelo art. 3º, da Res. ANTT 4.777/2015. O modelo adotado pelo BUSER não se enquadraria em nenhum dos tipos de fretamento permitido em Lei. O que a BUSER estaria fazendo, em realidade, seria ofertar um modelo regular de serviço para determinadas linhas, sob o pretexto de que estaria intermediando uma relação de fretamento.

A ação foi proposta perante a 3ª Vara Federal de Curitiba.

 

Contestação

Citada, a BUSER apresentou contestação.

Dentre outros fundamentos, defendeu seu modelo de negócios:

“O serviço prestado pela Buser é absolutamente inovador, e representa uma racionalização do transporte privado que já é prestado por empresas de fretamento. A atividade da Buser está muito longe de ser de transporte público.

Ela oferece um serviço tecnológico de intermediação, possibilitando um fretamento colaborativo, isto é, a contratação conjunta de um serviço de frete, prestado por uma empresa privada de transportes devidamente autorizada a fazê-lo”.

 

Ressaltou que a BUSER não presta serviços de transporte e sua intermediação sequer envolve transporte público regular. Sua atuação se restringiria apenas à disponibilização de um aplicativo de transporte que facilita a intermediação entre transportadores (fretamentos) e usuários.

Nas palavras da BUSER, o aplicativo funcionaria em duas etapas:

(i) ajuda as pessoas a encontrarem outras que desejam realizar uma mesma viagem, formando grupos de interesse comum; e

(ii) conecta esses grupos a empresas que prestam serviços de transporte privado na modalidade de fretamento, todas elas devidamente autorizadas a funcionar pelos órgãos reguladores competentes.

 

Para o STJ, o serviço de fretamento colaborativo oferecido pela BUSER é legal?

NÃO.

O STJ considerou que o serviço oferecido pela Buser de fretamento em circuito aberto implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros.

O Decreto nº 2.521/98 dispõe sobre a exploração, mediante permissão e  autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.

De acordo com o art. 3º, XI, o fretamento eventual ou turístico é o serviço “prestado à pessoa ou a um grupo de pessoas, em circuito fechado, com emissão de nota fiscal e lista de pessoas transportadas, por viagem, com prévia autorização ou licença da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT”.

O § 1º do art. 36 do Decreto afirma que, no transporte interestadual e internacional de passageiros, sob fretamento contínuo ou eventual/turístico, “não poderão ser praticadas vendas de passagens e emissões de passagens individuais, nem a captação ou o desembarque de passageiros no itinerário, vedadas, igualmente, a utilização de terminais rodoviários nos pontos extremos e no percurso da viagem, e o transporte de encomendas ou mercadorias que caracterizem a prática de comércio, nos veículos utilizados na respectiva prestação”.

Ou seja, a legislação exige que o serviço de fretamento, para ser autorizado, deve ser praticado somente em “circuito fechado” (as viagens de ida e de volta são realizadas com os mesmos passageiros), o que não é o caso de pelo menos grande parte dos serviços oferecidos pela referida empresa.

É insustentável a tese da empresa de que atuaria apenas como intermediária. Isso porque o modelo por ela adotado necessariamente envolve operações conjuntas com empresas qualificadas como parceiras. Tanto é assim que ela própria anuncia e cobra individualmente passagens para viagens interestaduais.

Dessa forma, conclui-se que o serviço oferecido pela plataforma de fretamento em circuito aberto implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros. Ou seja, de forma indireta, a plataforma atua como se fosse uma empresa de transporte regular de passageiros em quaisquer rotas interestaduais em que há demandas de viagens, ainda que de forma indireta (pois o serviço é executado por meio de empresas parceiras).

Diante disso, o STJ entendeu que o serviço prestado pela Buser configura concorrência desleal com as empresas que prestam regular serviço de transporte interestadual de passageiros.

 

Em suma:

O serviço oferecido por plataforma de tecnologia, que envolve operações conjuntas com empresas de fretamento, anúncio e cobrança individual de passagens para viagens interestaduais, é um tipo de fretamento em circuito aberto e configura prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros. 

STJ. 2ª Turma. REsp 2.093.778-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/6/2024 (Info 817).


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