Imagine a seguinte situação
hipotética:
João adquiriu passagem aérea, de
ida e volta (São Paulo para o Rio de Janeiro).
O voo de retorno estava agendado
para o dia 19/05/2019 às 14h10, com previsão de chegada em São Paulo às 15h10.
Contudo, quando chegou no aeroporto, no momento do check in, ele
descobriu que o voo havia sido cancelado.
Após certo tempo, a empresa
informou que os passageiros seriam realocados em um voo às 18h00, o que, de
fato, foi feito.
Um mês depois, João ajuizou ação
de indenização por danos morais em face da companhia aérea.
Em contestação, a ré argumentou
que a realocação de passageiros em outro voo com horário de embarque inferior a
quatro horas não poderia ser considerado como causador de danos de qualquer
espécie. Justificou o cancelamento pela necessidade de manutenção da aeronave
por segurança.
O pedido foi julgado
improcedente, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso especial.
O STJ deu provimento ao
recurso? João teve direito à indenização por danos morais?
NÃO.
O STJ possui entendimento
consolidado de que, em casos de atraso ou cancelamento de voos, o dano moral
não é presumido automaticamente devido à mera demora. Cabe ao passageiro
comprovar a ocorrência efetiva de lesão extrapatrimonial.
A análise de pedidos de
indenização nesses casos deve considerar as peculiaridades da aviação, que,
como é de conhecimento geral, está sujeita a diversas contingências de natureza
técnica, operacional, climática e humana, observadas globalmente.
No aspecto técnico, a segurança
do voo deve ser priorizada, exigindo que qualquer falha na aeronave seja
identificada, tratada e resolvida antes do início de uma nova viagem, evitando
riscos às vidas a bordo.
Quanto às questões climáticas e
operacionais, uma mudança climática em outra região do país pode paralisar os
voos naquela área, causando um efeito dominó de atrasos em toda a malha aérea.
No aspecto humano, um problema de
saúde repentino de tripulantes ou passageiros, ou um excesso de horas
trabalhadas pela tripulação, pode causar atrasos na decolagem.
Assim, na ausência de comprovação
da lesão extrapatrimonial, a pretensão de indenização deve ser afastada. O
atraso ou cancelamento de voo, apesar de constituírem fortuito interno, muitas
vezes decorrem de força maior (arts. 734 e 737 do Código Civil).
Em suma:
O mero inadimplemento contratual, resultante de
atraso ou cancelamento de voo, não gera dano moral ao consumidor, o qual deve
ser aferido a partir das peculiaridades inerentes à atividade de navegação
aérea.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 2.150.150-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. para
o Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 21/5/2024 (Info 20 – Edição
Extraordinária).
O entendimento acima pode ser reforçado com o novo art.
251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), inserido pela Lei 14.034/2020:
Art. 251-A. A indenização por
dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de
transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e
de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.
Julgado correlato:
Na hipótese de atraso de voo, não se admite a configuração do
dano moral in re ipsa.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.465-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 13/11/2018 (Info 638).
Jurisprudência em Teses (Ed. 164)
4) O atraso ou cancelamento de voo pela companhia aérea não
configura dano moral presumido (in re ipsa), sendo necessária a demonstração,
por parte do passageiro, da ocorrência de lesão extrapatrimonial.