Dizer o Direito

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O simples fato de o voo ter atrasado ou ter sido cancelado, gera direito à indenização por danos morais?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João adquiriu passagem aérea, de ida e volta (São Paulo para o Rio de Janeiro).

O voo de retorno estava agendado para o dia 19/05/2019 às 14h10, com previsão de chegada em São Paulo às 15h10. Contudo, quando chegou no aeroporto, no momento do check in, ele descobriu que o voo havia sido cancelado.

Após certo tempo, a empresa informou que os passageiros seriam realocados em um voo às 18h00, o que, de fato, foi feito.

Um mês depois, João ajuizou ação de indenização por danos morais em face da companhia aérea.

Em contestação, a ré argumentou que a realocação de passageiros em outro voo com horário de embarque inferior a quatro horas não poderia ser considerado como causador de danos de qualquer espécie. Justificou o cancelamento pela necessidade de manutenção da aeronave por segurança.

O pedido foi julgado improcedente, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça.

Ainda inconformado, João interpôs recurso especial.

 

O STJ deu provimento ao recurso? João teve direito à indenização por danos morais?

NÃO.

O STJ possui entendimento consolidado de que, em casos de atraso ou cancelamento de voos, o dano moral não é presumido automaticamente devido à mera demora. Cabe ao passageiro comprovar a ocorrência efetiva de lesão extrapatrimonial.

A análise de pedidos de indenização nesses casos deve considerar as peculiaridades da aviação, que, como é de conhecimento geral, está sujeita a diversas contingências de natureza técnica, operacional, climática e humana, observadas globalmente.

No aspecto técnico, a segurança do voo deve ser priorizada, exigindo que qualquer falha na aeronave seja identificada, tratada e resolvida antes do início de uma nova viagem, evitando riscos às vidas a bordo.

Quanto às questões climáticas e operacionais, uma mudança climática em outra região do país pode paralisar os voos naquela área, causando um efeito dominó de atrasos em toda a malha aérea.

No aspecto humano, um problema de saúde repentino de tripulantes ou passageiros, ou um excesso de horas trabalhadas pela tripulação, pode causar atrasos na decolagem.

Assim, na ausência de comprovação da lesão extrapatrimonial, a pretensão de indenização deve ser afastada. O atraso ou cancelamento de voo, apesar de constituírem fortuito interno, muitas vezes decorrem de força maior (arts. 734 e 737 do Código Civil).

 

Em suma:

O mero inadimplemento contratual, resultante de atraso ou cancelamento de voo, não gera dano moral ao consumidor, o qual deve ser aferido a partir das peculiaridades inerentes à atividade de navegação aérea. 

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.150.150-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. para o Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 21/5/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).

 

O entendimento acima pode ser reforçado com o novo art. 251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), inserido pela Lei 14.034/2020:

Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.

 

Julgado correlato:

Na hipótese de atraso de voo, não se admite a configuração do dano moral in re ipsa.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.465-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018 (Info 638).

 

Jurisprudência em Teses (Ed. 164)

4) O atraso ou cancelamento de voo pela companhia aérea não configura dano moral presumido (in re ipsa), sendo necessária a demonstração, por parte do passageiro, da ocorrência de lesão extrapatrimonial.


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