Imagine a seguinte situação
hipotética:
A polícia recebeu denúncia anônima
informando que na casa de João estaria ocorrendo a prática de tráfico de drogas.
Os policiais realizaram
investigações preliminares e colheram depoimento de um usuário de drogas que
afirmou que havia comprado cocaína na casa de João.
Diante desse cenário, os
policiais realizaram uma busca na residência do suspeito.
Durante a busca, os policiais não
encontraram nenhuma quantidade de droga, mas apreenderam uma balança de
precisão que continha resquícios de uma substância branca. A perícia confirmou
que os resquícios eram de cocaína, mas a quantidade era tão pequena que não foi
possível pesá-la.
Além disso, a polícia encontrou
38 pinos vazios transparentes e 29 micro-potes plásticos pretos com tampa,
itens comumente usados para embalar drogas.
Com base nesses achados e também
no depoimento do suposto comprador, o Ministério Público denunciou João pela
prática do crime de tráfico de drogas, delito previsto no art. 33, caput, da
Lei nº 11.343/2006.
Em primeira instância, o réu foi
condenado. Ele recorreu, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso especial.
A defesa alegou que não seria
possível a condenação por tráfico de drogas porque não houve a apreensão de
drogas com o acusado.
Não tendo havido apreensão de
drogas, não se pode falar em prova da materialidade do delito.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
SIM.
O art. 33 da Lei nº 11.343/2006
lista várias condutas que configuram o crime de tráfico de drogas, como
importar, exportar, vender, guardar etc.
Para que haja crime, essas
condutas devem recair sobre “drogas”, que são substâncias definidas pela
Portaria nº 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da
Saúde, , nos termos do art. 66 da Lei nº 11.343/2006.
É imprescindível que a substância
supostamente ilícita seja apreendida e submetida à perícia técnica para
confirmar se ela se enquadra na definição legal de droga.
No caso concreto, os policiais
encontraram apenas um “resquício” de cocaína em uma balança.
Esse resquício não pode ser
considerado objeto material do crime de tráfico porque:
• Não se pode afirmar que ele
está relacionado à conduta imputada ao acusado neste caso específico.
• Não foi possível determinar a
quantidade do resquício devido à impossibilidade de pesagem.
• Não se pode comprovar a
materialidade do crime com base apenas neste resquício.
Em suma:
O fato de ter sido encontrado resquício de droga na
balança de precisão de acusado não é suficiente para a comprovação da
materialidade do crime de tráfico de drogas.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 2.092.011-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
24/6/2024 (Info 21 – Edição Extraordinária).
DOD Plus –
julgados correlatos
A apreensão e perícia da
substância entorpecente é imprescindível para a comprovação da materialidade do
crime de tráfico de drogas
Caso hipotético: A polícia investigava há alguns meses João,
Pedro e Tiago, suspeitos de praticarem tráfico de drogas na região. Havia,
inclusive, o depoimento de pessoas que afirmaram que adquiram drogas com o
grupo. Com base nesses elementos informativos, a polícia requereu a
interceptação telefônica dos suspeitos, o que foi deferido. Foram então
captadas conversas que indicavam a existência de negociações de drogas entre os
membros do grupo, com detalhes sobre venda, compra e oferta de substâncias
ilícitas a terceiros. O juiz também autorizou a realização de busca e apreensão
nas residências dos suspeitos. Apesar disso, não foram encontradas drogas no
local.Com base nos depoimentos dos compradores e nas conversas telefônicas, o
Ministério Público estadual denunciou João, Pedro e Tiago por tráfico de drogas
(art. 33 da Lei nº 11.343/2006). Em resposta à acusação, dentre outros
argumentos, os réus alegaram não haver provas da materialidade dos crimes, pois
não foram apreendidas quaisquer substâncias entorpecentes com os acusados e,
por consequência, não havia laudo de constatação nem exame químico-toxicológico
nos autos.
O STJ concordou com os argumentos dos acusados.
A apreensão e perícia de drogas se revelam imprescindíveis para
a condenação do acusado pela prática do crime de tráfico de drogas. Na ausência
de apreensão de substâncias entorpecentes, os demais elementos de prova, por si
sós, ainda que em conjunto, não se prestam à comprovação da materialidade
delitiva.
STJ. 3ª Seção. HC 686.312/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
relator para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/4/2023.
STJ. 5ª Turma. REsp 2.107.251-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 20/2/2024 (Info 801).
A apreensão de pequenas
quantidades de droga junto com o ácido bórico não implica, necessariamente, a
conduta de tráfico de drogas (art. 33 da LD)
No caso analisado, o réu foi condenado como incurso no art. 33,
§ 1º, I, da Lei nº 11.343/2006 porque portava, em via pública, 0,32 g de crack
e 164,80 g de ácido bórico.
A posse de ácido bórico, por si só, é um indiferente penal, haja
vista que é largamente utilizado para fins lícitos, como tratamentos de saúde,
desinsetização, adubamento etc.
Não se está a ignorar que o ácido bórico seja utilizado, também,
para os fins de preparação de drogas ilícitas. Ocorre que, nesses casos, a
condenação deve se pautar em outros elementos que apontem, de modo inequívoco,
para a traficância, como a apreensão de consideráveis quantidades de droga,
balanças de precisão, embalagens plásticas, somas de dinheiro etc.
Segundo pesquisas, vários usuários de crack fazem uso do chamado
“pó virado”, consistente na mistura de crack ao ácido bórico para os fins de
consumo pela via nasal. A preparação do “pó virado” é feita pelos próprios
usuários, em grupos e de forma compartilhada, a fim de obter efeito mais
duradouro e, consequentemente, menores níveis de fissura e paranoia decorrentes
do uso da droga.
Diante desses achados, é preciso cuidado redobrado ao avaliar se
a conduta de portar drogas e ácido bórico deve ser tipificada como tráfico de
drogas ou posse de drogas para uso pessoal.
Logo, a apreensão de pequenas quantidades de droga junto com o
ácido bórico não implica, necessariamente, a conduta tipificada no art. 33 da
Lei nº 11.343/2006.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.271.420-MG, Rel. Min. Messod
Azulay Neto, julgado em 27/6/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária).