terça-feira, 6 de agosto de 2024
No último dia para a interposição do recurso, o sistema do Tribunal estava indisponível. No dia seguinte, quando o sistema voltou a funcionar, a parte deu entrada. Para que o recurso seja conhecido, é necessário que a parte comprove que houve a indisponibilidade. Essa comprovação deve ser realizada no momento da interposição do recurso ou pode ser feita depois?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina ajuizou ação contra João,
tendo o pedido sido julgado improcedente pelo juiz.
A autora interpôs apelação, mas o
Tribunal de Justiça manteve a sentença.
Ainda inconformada, Regina
interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ.
O prazo para interpor recurso
especial é de 15 dias úteis.
O acórdão do TJ foi publicado no
dia 02/08, iniciando-se o prazo para a interposição do recurso especial no dia
03/08.
Contando apenas os dias úteis, o
último dia para a interposição do recurso seria 23/08.
Regina deu entrada no recurso
somente no dia 24/08.
Ela contou o prazo errado? Qual a
razão de ter feito isso?
No dia 23/08, último dia do
prazo, houve uma indisponibilidade técnica no sistema eletrônico do Tribunal
que a impediu de protocolizar o recurso. Logo, o dia 23/08 deve ser considerado
como não útil, sendo, portanto, excluído da contagem do prazo.
Isso está previsto no § 1º do art. 224 do CPC, que prevê que
a indisponibilidade ocorrida nos dias do começo e do vencimento tem o condão de
prorrogar o prazo para o dia útil seguinte. Veja:
Art. 224. (...) § 1º Os dias do
começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil
seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado
antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da
comunicação eletrônica.
Vale ressaltar que o art. 224, §
1º, do CPC não fala em prorrogação do término do prazo recursal se ocorrer
eventual indisponibilidade do sistema eletrônico no Tribunal no curso do
período para interposição do recurso. A prorrogação do prazo processual é
admitida apenas nas hipóteses em que a indisponibilidade do sistema coincida
com o primeiro ou o último dia do prazo recursal, caso em que o termo inicial
ou final será protraído para o primeiro dia útil seguinte. Nesse sentido:
STJ. Corte Especial. AgInt
nos EAREsp 1.817.714-SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 7/3/2023 (Info 778).
Voltando ao caso concreto:
Regina, no dia 24/08, interpôs o
recurso.
A Presidência do STJ não conheceu
do recurso especial sob o argumento de que ele seria intempestivo. Isso porque
o prazo se encerraria no dia 23/08 e a recorrente somente interpôs no dia
24/08.
Regina não se conformou e
interpôs agravo interno, no qual apresentou documento do próprio sistema do
Judiciário que comprovava a indisponibilidade do portal no último dia do prazo
para a interposição do recurso. Requereu a reconsideração da decisão que não
admitiu o recurso.
João, parte contrária/recorrida, apresentou
contrarrazões alegando que a comprovação de eventual indisponibilidade do
sistema de peticionamento eletrônico deveria ter sido feita no ato de
interposição do recurso, por meio de documento idôneo.
João argumentou, portanto, que
não é possível a comprovação da instabilidade do sistema eletrônico, com a
juntada de documento oficial, em momento posterior ao ato de interposição do
recurso. Se não comprovar no momento do recurso, perde o prazo.
Para João, deve-se aplicar, no presente caso, o mesmo
raciocínio que está no art. 1.003, § 6º, do CPC:
Art. 1.003 (...) § 6º O
recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do
recurso.
Esse argumento de João é
acolhido pelo STJ?
NÃO. Regina pode sim comprovar
depois, como ela fez.
O STJ entende que a mera alegação
de indisponibilidade do sistema eletrônico do Tribunal, sem a devida
comprovação, mediante documentação oficial, não tem o condão de afastar o não
conhecimento do recurso, em razão da impossibilidade de aferição da sua
tempestividade.
Desse modo, a parte deverá
comprovar a indisponibilidade com a juntada de documento oficial.
Um dos documentos idôneos a comprovar a indisponibilidade do
sistema é o relatório de interrupções, que deve ser disponibilizado ao público
no sítio do Tribunal, conforme disciplina o art. 10, da Resolução nº 185 do CNJ.
Apesar de o art. 10, § 3º da
Resolução afirmar que este relatório deverá ser publicado em até 12h do dia
seguinte ao da indisponibilidade, por questões técnicas, nem sempre isso
acontece.
Nessas ocasiões já está havendo
uma instabilidade que dificulta o acesso ao sistema eletrônico, sendo desarrazoado,
portanto, exigir que, no dia útil seguinte ao último dia de prazo para
interposição do recurso, a parte já tenha consigo documentação oficial que
comprove a instabilidade de sistema, sendo que não compete a ela produzir nem
disponibilizar este registro.
Logo, exigir que a parte, já no
recurso, comprove a indisponibilidade significaria onerar duplamente o
jurisdicionado por falha técnica que somente é imputável ao Judiciário.
Primeiramente porque a parte foi impedida de interpor o recurso na data
pretendida, em virtude da instabilidade do sistema eletrônico do Tribunal; e,
se até o dia útil seguinte, este mesmo Tribunal não disponibilizar documento
oficial que ateste a falha técnica, o recurso interposto será considerado
intempestivo.
Assim, admite-se a comprovação da
instabilidade do sistema eletrônico, com a juntada de documento oficial, em
momento posterior ao ato de interposição do recurso.
Em suma:
Admite-se a comprovação da instabilidade do sistema
eletrônico, com a juntada de documento oficial, em momento posterior ao ato de
interposição do recurso.
STJ. 2ª Seção. EAREsp 2.211.940-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
12/6/2024 (Info 817).
A regra do art. 1.003, §6º, do
CPC, trata somente dos feriados locais, não devendo ser aplicada extensivamente
às situações que versem sobre instabilidade do sistema eletrônico, pois é fato
novo e inesperado o qual a parte não necessariamente terá como comprovar até o
dia útil seguinte.
A fim de evitar-se uma restrição
infundada ao direito da ampla defesa, necessário interpretar o art. 224, §1º do
CPC de forma mais favorável à parte recorrente, que é mera vítima de eventual
falha técnica no sistema eletrônico de Tribunal.