Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas, criança de 8 anos,
representado por sua mãe Carla, ingressou com ação de alimentos contra João,
seu pai.
Na petição inicial, o autor
requereu que João pagasse uma pensão alimentícia mensal de R$ 5.000,00,
alegando que este valor é necessário para cobrir as despesas da criança com
alimentação, vestuário, educação e saúde.
João foi citado pessoalmente, mas
não apresentou resposta. Houve, portanto, revelia.
Mesmo com a revelia, o juiz julgou
o pedido parcialmente procedente. Isso porque condenou João a pagar a pensão
alimentícia, no entanto, fixou a quantia em R$ 2.500,00 por mês.
Lucas interpôs apelação alegando que, sendo o réu revel,
existe a presunção de que são verdadeiras as alegações do autor, conforme
preconiza o art. 344 do CPC:
Art. 344. Se o réu não contestar
a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de
fato formuladas pelo autor.
O Tribunal de Justiça, contudo,
manteve a sentença.
Lucas interpôs, então, recurso
especial insistindo no argumento de que, como foi decreta a revelia do réu, o
juiz não poderia ter fixado a verba alimentar em patamar inferior ao postulado
na petição inicial.
O argumento do recorrente
foi acolhido pelo STJ?
NÃO.
Quando ocorre a revelia, as alegações do autor são
presumidas como verdadeiras. No entanto, esta presunção não é absoluta. O art.
345 do CPC/2015 prevê exceções a essa regra:
Art. 345. A revelia não produz o
efeito mencionado no art. 344 se:
I - havendo pluralidade de réus,
algum deles contestar a ação;
II - o litígio versar sobre
direitos indisponíveis;
III - a petição inicial não
estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do
ato;
IV - as alegações de fato
formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova
constante dos autos.
Como a presunção de veracidade é
relativa, o juiz deve analisar cuidadosamente as alegações e provas apresentadas,
mesmo em caso de revelia. O magistrado forma sua convicção baseando-se nos
limites do pedido e nas provas disponíveis nos autos.
Sobre a extensão do pedido, a
petição inicial reproduz o princípio dispositivo, atuando como instrumento para
a parte exercer seu direito de ação, delimitando a matéria a ser enfrentada e o
objeto da prestação jurisdicional.
Em homenagem aos princípios da
congruência e da adstrição, a sentença estará vinculada ao pleito contido na
exordial, cabendo ao magistrado a interpretação do pedido junto com o teor da
petição inicial para extrair a pretensão essencial.
Contudo, em ações de alimentos,
esses princípios devem ser observados de outra perspectiva devido às suas
especificidades, permitindo ao magistrado arbitrar a verba alimentar conforme
os elementos nos autos, observando o binômio necessidade/capacidade.
Dessa forma, ao fixar o valor dos
alimentos, o juiz deve agir segundo seu prudente arbítrio, não ficando restrito
ao pedido deduzido pelo alimentando, mas sim arbitrando um montante que atenda
às necessidades do postulante e à capacidade de pagamento do demandado.
Este é o entendimento reiterado do
STJ:
Não configura julgamento 'ultra' ou 'extra petita', com violação
ao princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional exarado
nos limites do pedido, o qual deve ser interpretado lógica e sistematicamente a
partir análise de toda a petição inicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.729/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro,
julgado em 21/6/2022.
Não caracteriza julgamento ultra/extra petita, com ocorrência de
violação do princípio da congruência ou da adstrição, o provimento
jurisdicional que, em ação de alimentos, funda-se nos elementos fáticos
referentes ao binômio necessidade/capacidade.
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.062.127/SP, Rel. Min.
João Otávio de Noronha, julgado em 21/8/2023.
Na ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio
da adstrição, podendo o magistrado arbitrá-los com base nos elementos fáticos
que integram o binômio necessidade/capacidade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.290.313/AL, Rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, julgado em 12/11/2013.
Esse entendimento aplica-se tanto
quando o magistrado arbitra a verba alimentar superior ao postulado, quanto
quando a pretensão é atendida em menor extensão, com base no binômio
necessidade/possibilidade.
Nas ações de alimentos, os
efeitos da revelia do réu não se operam plenamente devido ao caráter
indisponível dos direitos em questão. A decretação da revelia não conduz
automaticamente à fixação da verba alimentar conforme requerido, especialmente
quando o percentual solicitado afronta a razoabilidade e a proporcionalidade.
Em suma:
É possível a fixação de verba alimentar em patamar
inferior ao postulado na inicial ainda que haja o reconhecimento da revelia do
réu devidamente citado e a incidência de seus efeitos consequentes.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.971.966/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/3/2024
(Info 20 – Edição Extraordinária).