Dizer o Direito

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Mesmo que o réu, na ação de alimentos, seja revel, ainda assim o juiz poderá fixar o valor da pensão alimentícia abaixo do que foi requerido na petição inicial

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas, criança de 8 anos, representado por sua mãe Carla, ingressou com ação de alimentos contra João, seu pai.

Na petição inicial, o autor requereu que João pagasse uma pensão alimentícia mensal de R$ 5.000,00, alegando que este valor é necessário para cobrir as despesas da criança com alimentação, vestuário, educação e saúde.

João foi citado pessoalmente, mas não apresentou resposta. Houve, portanto, revelia.

Mesmo com a revelia, o juiz julgou o pedido parcialmente procedente. Isso porque condenou João a pagar a pensão alimentícia, no entanto, fixou a quantia em R$ 2.500,00 por mês.

Lucas interpôs apelação alegando que, sendo o réu revel, existe a presunção de que são verdadeiras as alegações do autor, conforme preconiza o art. 344 do CPC:

Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

 

O Tribunal de Justiça, contudo, manteve a sentença.

Lucas interpôs, então, recurso especial insistindo no argumento de que, como foi decreta a revelia do réu, o juiz não poderia ter fixado a verba alimentar em patamar inferior ao postulado na petição inicial.

 

O argumento do recorrente foi acolhido pelo STJ?

NÃO.

Quando ocorre a revelia, as alegações do autor são presumidas como verdadeiras. No entanto, esta presunção não é absoluta. O art. 345 do CPC/2015 prevê exceções a essa regra:

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:

I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

 

Como a presunção de veracidade é relativa, o juiz deve analisar cuidadosamente as alegações e provas apresentadas, mesmo em caso de revelia. O magistrado forma sua convicção baseando-se nos limites do pedido e nas provas disponíveis nos autos.

Sobre a extensão do pedido, a petição inicial reproduz o princípio dispositivo, atuando como instrumento para a parte exercer seu direito de ação, delimitando a matéria a ser enfrentada e o objeto da prestação jurisdicional.

Em homenagem aos princípios da congruência e da adstrição, a sentença estará vinculada ao pleito contido na exordial, cabendo ao magistrado a interpretação do pedido junto com o teor da petição inicial para extrair a pretensão essencial.

Contudo, em ações de alimentos, esses princípios devem ser observados de outra perspectiva devido às suas especificidades, permitindo ao magistrado arbitrar a verba alimentar conforme os elementos nos autos, observando o binômio necessidade/capacidade.

Dessa forma, ao fixar o valor dos alimentos, o juiz deve agir segundo seu prudente arbítrio, não ficando restrito ao pedido deduzido pelo alimentando, mas sim arbitrando um montante que atenda às necessidades do postulante e à capacidade de pagamento do demandado.

Este é o entendimento reiterado do STJ:

Não configura julgamento 'ultra' ou 'extra petita', com violação ao princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional exarado nos limites do pedido, o qual deve ser interpretado lógica e sistematicamente a partir análise de toda a petição inicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.729/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/6/2022.

 

Não caracteriza julgamento ultra/extra petita, com ocorrência de violação do princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional que, em ação de alimentos, funda-se nos elementos fáticos referentes ao binômio necessidade/capacidade.

STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.062.127/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/8/2023.

 

Na ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio da adstrição, podendo o magistrado arbitrá-los com base nos elementos fáticos que integram o binômio necessidade/capacidade.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.290.313/AL, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/11/2013.

 

Esse entendimento aplica-se tanto quando o magistrado arbitra a verba alimentar superior ao postulado, quanto quando a pretensão é atendida em menor extensão, com base no binômio necessidade/possibilidade.

Nas ações de alimentos, os efeitos da revelia do réu não se operam plenamente devido ao caráter indisponível dos direitos em questão. A decretação da revelia não conduz automaticamente à fixação da verba alimentar conforme requerido, especialmente quando o percentual solicitado afronta a razoabilidade e a proporcionalidade.

 

Em suma:

É possível a fixação de verba alimentar em patamar inferior ao postulado na inicial ainda que haja o reconhecimento da revelia do réu devidamente citado e a incidência de seus efeitos consequentes. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.971.966/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/3/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).


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