Imagine a seguinte situação hipotética:
João ingressou com ação contra
Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente.
A sentença foi mantida pelo
Tribunal de Justiça.
O acórdão do TJ foi publicado no
dia 12/09/2022.
Ainda inconformado, João decidiu
interpor recurso especial ao STJ.
No dia 26/09/2022, último dia do
prazo legal, João interpôs o recurso especial.
Para interpor o recurso, João
precisou pagar uma taxa judiciária chamada “preparo”.
João gerou um boleto bancário no
site do STJ para fazer o pagamento. Em vez de pagar diretamente por meio de um
banco, ele decidiu pagar mediante um aplicativo de correspondente bancário.
João fez todo o procedimento de
pagamento no dia 26/09/2022, último dia do prazo. Ele então recebeu um comprovante
dizendo que a transação foi processada, mas que a compensação do pagamento pode
levar até três dias úteis.
Confiando que está tudo certo,
ele apresentou esse comprovante ao STJ junto com a petição de recurso a fim de
atestar a realização do preparo.
Presidência do STJ
considerou que o preparo foi feito fora do prazo
A Presidência do STJ percebeu que
o pagamento efetivo somente ocorreu um dia útil depois do dia 26/09/2022. Diante
disso, o Ministro Presidente entendeu que o recurso foi “deserto” já que a
compensação (pagamento efetivo) não se deu até o último dia do prazo.
De acordo com o Ministro, como
não houve a liquidação imediata do título, não houve preparo no dia 26/09/2022.
Inconformado, João interpôs
agravo interno contra a decisão do Ministro argumentando que ele deu a ordem de
pagamento no dia 26/09/2022 e que não poderia ser prejudicado se o banco ou a
instituição financeira que intermediou a transação não efetuou imediatamente a
liquidação.
João sustentou que deve ser
considerado como feito o preparo no dia em que realizado o pagamento perante o
correspondente bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação
bancária.
A 4ª Turma do STJ – que
analisou o agravo interno – concordou com os argumentos de João?
SIM.
O art. 3º da Resolução nº
4.935/2021, do Conselho Monetário Nacional - CMN, prevê que o correspondente
bancário “atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que
assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado”. A figura jurídica
do correspondente bancário, portanto, se assemelha à de um preposto da
instituição financeira.
A ressalva, segundo a qual “o
prazo para compensação de pagamento por boleto é de até 3 dias úteis”, reflete,
de certa maneira, o prazo que a regulação bancária confere à instituição
financeira para fazer a compensação de créditos e débitos com seus correspondentes
bancários.
Nesse sentido, o art. 14, V, da
Resolução CMN n. 4.935/2021 estipula que: “o contrato de correspondente deve
estabelecer: V - realização de acertos financeiros entre a instituição
contratante e o correspondente, no máximo, a cada dois dias úteis”.
Deve-se entender que essa
disposição normativa tem eficácia apenas na relação entre a instituição
financeira e o correspondente bancário, não produzindo efeitos em desfavor de
quem faz uso dos serviços do correspondente bancário, pois o usuário não participa
do contrato mencionado no aludido art. 14.
À falta de norma legal ou
regulamentar que condicione a eficácia do pagamento à compensação bancária, o
recolhimento do preparo era eficaz desde a data em que expedido o respectivo
comprovante, cabendo à instituição financeira assumir perante o beneficiário do
boleto a responsabilidade por eventual falta de apresentação do título à
compensação, o que não é o caso dos autos.
Assim, apesar dessa diferença de
um dia entre a emissão do comprovante e o efetivo pagamento e apesar da
ressalva contida no comprovante, deve ser superado o óbice da deserção,
considerando eficaz o pagamento no dia em que realizado perante o correspondente
bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação bancária.
Em suma:
Considera-se recolhido devidamente o preparo no dia
em que realizado o pagamento perante o correspondente bancário, ainda que outro
tenha sido o dia da compensação bancária.
STJ. 4ª
Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.283.710-AP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira,
julgado em 13/5/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).
Cuidado: a conclusão acima
exposta não se aplica no caso de agendamento para data futura
Imagine que João tivesse entrado
no aplicativo do correspondente bancário no dia 26/09/2022 e, ao pagar o
boleto, ele tivesse escolhido ou, em razão do adiantado da hora, somente
tivesse aparecido a opção de agendamento do pagamento para o dia 27/09/2022.
Neste caso, ele teria realmente perdido o prazo para o preparo, conforme
reiterados julgados do STJ:
(...) 4. Nos termos da jurisprudência do STJ, é deserto o
recurso especial na hipótese em que a parte recorrente, mesmo após intimada a
regularizar o preparo, não o faz devidamente (art. 1.007, § 7º, do CPC).
5. A mera juntada do comprovante de agendamento de pagamento das
custas não constitui meio apto à comprovação de que o preparo do recurso
especial foi efetivamente recolhido.
6. A juntada posterior de comprovante de pagamento de custas não
é capaz de superar a deserção em razão da preclusão consumativa. (...)
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.315.909/GO, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 29/4/2024.
(...) 2. O comprovante de agendamento bancário não é meio apto a
comprovar o efetivo recolhimento do preparo. (...)
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.496.667/SP, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 10/6/2024.