Dizer o Direito

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Considera-se recolhido devidamente o preparo no dia em que realizado o pagamento perante o correspondente bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação bancária

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ingressou com ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

O acórdão do TJ foi publicado no dia 12/09/2022.

Ainda inconformado, João decidiu interpor recurso especial ao STJ.

No dia 26/09/2022, último dia do prazo legal, João interpôs o recurso especial.

Para interpor o recurso, João precisou pagar uma taxa judiciária chamada “preparo”.

João gerou um boleto bancário no site do STJ para fazer o pagamento. Em vez de pagar diretamente por meio de um banco, ele decidiu pagar mediante um aplicativo de correspondente bancário.

João fez todo o procedimento de pagamento no dia 26/09/2022, último dia do prazo. Ele então recebeu um comprovante dizendo que a transação foi processada, mas que a compensação do pagamento pode levar até três dias úteis.

 

 

Confiando que está tudo certo, ele apresentou esse comprovante ao STJ junto com a petição de recurso a fim de atestar a realização do preparo.

 

Presidência do STJ considerou que o preparo foi feito fora do prazo

A Presidência do STJ percebeu que o pagamento efetivo somente ocorreu um dia útil depois do dia 26/09/2022. Diante disso, o Ministro Presidente entendeu que o recurso foi “deserto” já que a compensação (pagamento efetivo) não se deu até o último dia do prazo.

De acordo com o Ministro, como não houve a liquidação imediata do título, não houve preparo no dia 26/09/2022.

Inconformado, João interpôs agravo interno contra a decisão do Ministro argumentando que ele deu a ordem de pagamento no dia 26/09/2022 e que não poderia ser prejudicado se o banco ou a instituição financeira que intermediou a transação não efetuou imediatamente a liquidação.

João sustentou que deve ser considerado como feito o preparo no dia em que realizado o pagamento perante o correspondente bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação bancária. 

 

A 4ª Turma do STJ – que analisou o agravo interno – concordou com os argumentos de João?

SIM.

O art. 3º da Resolução nº 4.935/2021, do Conselho Monetário Nacional - CMN, prevê que o correspondente bancário “atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado”. A figura jurídica do correspondente bancário, portanto, se assemelha à de um preposto da instituição financeira.

A ressalva, segundo a qual “o prazo para compensação de pagamento por boleto é de até 3 dias úteis”, reflete, de certa maneira, o prazo que a regulação bancária confere à instituição financeira para fazer a compensação de créditos e débitos com seus correspondentes bancários.

Nesse sentido, o art. 14, V, da Resolução CMN n. 4.935/2021 estipula que: “o contrato de correspondente deve estabelecer: V - realização de acertos financeiros entre a instituição contratante e o correspondente, no máximo, a cada dois dias úteis”.

Deve-se entender que essa disposição normativa tem eficácia apenas na relação entre a instituição financeira e o correspondente bancário, não produzindo efeitos em desfavor de quem faz uso dos serviços do correspondente bancário, pois o usuário não participa do contrato mencionado no aludido art. 14.

À falta de norma legal ou regulamentar que condicione a eficácia do pagamento à compensação bancária, o recolhimento do preparo era eficaz desde a data em que expedido o respectivo comprovante, cabendo à instituição financeira assumir perante o beneficiário do boleto a responsabilidade por eventual falta de apresentação do título à compensação, o que não é o caso dos autos.

Assim, apesar dessa diferença de um dia entre a emissão do comprovante e o efetivo pagamento e apesar da ressalva contida no comprovante, deve ser superado o óbice da deserção, considerando eficaz o pagamento no dia em que realizado perante o correspondente bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação bancária.

 

Em suma:

Considera-se recolhido devidamente o preparo no dia em que realizado o pagamento perante o correspondente bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação bancária. 

STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.283.710-AP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/5/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).

 

Cuidado: a conclusão acima exposta não se aplica no caso de agendamento para data futura

Imagine que João tivesse entrado no aplicativo do correspondente bancário no dia 26/09/2022 e, ao pagar o boleto, ele tivesse escolhido ou, em razão do adiantado da hora, somente tivesse aparecido a opção de agendamento do pagamento para o dia 27/09/2022. Neste caso, ele teria realmente perdido o prazo para o preparo, conforme reiterados julgados do STJ:

(...) 4. Nos termos da jurisprudência do STJ, é deserto o recurso especial na hipótese em que a parte recorrente, mesmo após intimada a regularizar o preparo, não o faz devidamente (art. 1.007, § 7º, do CPC).

5. A mera juntada do comprovante de agendamento de pagamento das custas não constitui meio apto à comprovação de que o preparo do recurso especial foi efetivamente recolhido.

6. A juntada posterior de comprovante de pagamento de custas não é capaz de superar a deserção em razão da preclusão consumativa. (...)

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.315.909/GO, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 29/4/2024.

 

(...) 2. O comprovante de agendamento bancário não é meio apto a comprovar o efetivo recolhimento do preparo. (...)

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.496.667/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/6/2024.


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