Dizer o Direito

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Caso exista atestado médico dispondo que o advogado deva se afastar do trabalho, não há que se falar em substabelecimento dos poderes recebidos, podendo o pedido de devolução do prazo recursal ser formulado incidentalmente

A doença do advogado da parte pode ser invocada como justa causa para a devolução do prazo recursal?

O advogado somente terá direito à devolução do prazo em virtude de doença se:

1) o advogado doente era o único procurador constituído pela parte; e

2) ele estava totalmente impossibilitado de exercer a função ou de substabelecer o mandato a colega seu para praticar o ato.

 

Assim, o fato de o advogado juntar um atestado provando que estava doente não é suficiente, por si só, para ter direito novamente ao prazo recursal.

A doença deve ser de tal modo grave que ele não podia trabalhar nem pedir auxílio a um colega por meio de substabelecimento.

Da mesma forma, ainda que a enfermidade seja muito grave, se a procuração havia sido conferida a mais de um advogado, não se poderá invocar a justa causa na hipótese de apenas um deles ter ficado doente.

 

Nesse sentido:

Desde que seja o único constituído nos autos, configura justa causa a doença do próprio advogado que o impossibilite totalmente de exercer a função ou de substabelecer o mandato, em caso de descumprimento do prazo fixado na intimação para regularização da representação processual.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.104.220/PB, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/10/2023.

 

O pedido de devolução do prazo por motivo de doença do único patrono constituído depende da demonstração de justa causa relativa à impossibilidade total do exercício da profissão ou de substabelecer o mandato.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.205.732/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 6/3/2023.

 

A doença que acomete o advogado somente pode constituir justa causa para autorizar a interposição tardia de recurso se, sendo o único procurador da parte, estiver o advogado totalmente impossibilitado de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato a colega seu para recorrer da decisão.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.223.183-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/10/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).

 

Feita essa breve revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa ingressou com ação contra a empresa Beta.

O juiz julgou o pedido procedente, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça.

A empresa Beta, interpôs recurso especial. Houve, contudo, uma peculiaridade: Dr. João, advogado da Beta, interpôs o recurso após o prazo já ter se esgotado.

Na petição recursal, o advogado esclareceu que, faltando três dias para o fim do prazo recursal, foi internado em decorrência de uma infecção. Ele assim escreveu:

Destaca-se de início, em relação à tempestividade, que embora o prazo final fosse em 24 de abril de 2019, o único advogado da recorrente esteve internado com quadro de infecção de 22 a 26 de abril de 2019 (conforme declaração hospitalar anexa) e precisou afastar-se do trabalho por 12 dias, até 2 de maio de 2019 (atestado médico incluso).

Assim, no momento da internação, restavam três dias para o término do prazo, justificando a manifestação apenas nesta data, conforme os documentos mencionados, demonstrando justa causa para a não interposição do recurso no prazo (CPC, art. 223, §§).

 

A empresa Alfa questionou a justificativa, alegando que:

a) a incapacidade laboral do advogado não foi comprovada, já que a condição só lhe acometeu nos últimos dias do prazo;

b) o advogado poderia, ao menos, ter substabelecido a outro defensor os poderes para a prática do ato; c) há um procedimento específico para o pedido de devolução do prazo, que deve ser feito “em até cinco dias após cessado o impedimento, sob pena de preclusão”, conforme preceitua o art. 218, § 3º, do CPC:

Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei.

(...)

§ 3º Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte.

 

O que decidiu o STJ? A justificativa apresentada pelo advogado (Dr. João) foi válida?

SIM.

 

A incapacidade laboral do advogado foi comprovada

O advogado foi intimado da decisão em 1º de abril de 2019.

Assim, o prazo de 15 dias úteis para a interposição do recurso especial começou em 2 de abril de 2019 e, inicialmente, terminaria em 24 de abril de 2019.

No entanto, o Dr. João, único advogado da recorrente, foi afastado do trabalho por 12 dias a partir de 22 de abril de 2019, conforme atestado médico e declaração do hospital.

Desse modo, descontando-se os dias de afastamento do prazo recursal, conclui-se que o prazo final foi em 8 de maio de 2019, data em que o recurso especial foi efetivamente protocolado.

 

Impossibilidade de substabelecimento no caso

Foi juntado atestado médico que declara especificamente que o advogado precisava se afastar do trabalho por 12 dias. Como ele precisava se afastar do trabalho, não poderia apresentar substabelecimento, considerando que a elaboração de substabelecimento também é considerado um dos afazeres profissionais do advogado.

O atestado médico não foi genérico. Ele indicou expressamente que o advogado necessitava de “doze dias de afastamento do trabalho”. Isso significa que ele deveria/poderia se abster de todas as atividades típicas de sua atividade profissional, dentre as quais a outorga de substabelecimento para outro procurador.

 

Procedimento para a formulação do pedido de devolução do prazo recursal

Dada a falta de previsão legal, não há necessidade de se instaurar procedimento específico para se obter a devolução do prazo, de modo que esse pedido pode formulado de forma incidental, como preliminar no próprio recurso.

É necessário se valorizar, no caso, os princípios da instrumentalidade das formas e da celeridade processual.

De acordo com o art. 1.004 do CPC, se, durante o prazo para a interposição do recurso, ocorrer motivo de força maior que suspenda o curso do processo, será tal prazo restituído em proveito da parte.

Ademais, o pedido de devolução do prazo recursal por motivo de força maior pode ser formulado incidentalmente como preliminar do próprio recurso, a exemplo do que ocorre nas situações de nulidade de intimação (art. 272, § 8º, CPC).

 

Em suma:

Caso exista atestado médico dispondo que o advogado deva se afastar do trabalho, não há que se falar em substabelecimento dos poderes recebidos, podendo o pedido de devolução do prazo recursal ser formulado incidentalmente. 

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.720.052-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 8/4/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).


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