Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é um agricultor que
cultivava arroz, em uma pequena propriedade rural.
Em 05 de maio de 2000, um tanque
de óleo diesel da empresa Vale S/A, armazenado em uma área próxima à
propriedade de João, se rompeu.
O óleo vazou, espalhou-se com a
chuva e contaminou o solo das áreas vizinhas, incluindo as terras de João,
tornando-as improdutivas.
Em julho de 2019, João ajuizou
ação de indenização por danos materiais e morais contra a Vale.
O juiz extinguiu o processo com
resolução do mérito alegando que houve a prescrição.
Segundo o magistrado, o prazo prescricional para a ação de
indenização por danos ambientais individuais, como o de João, segue a regra
geral do Código Civil para ações indenizatórias, que é de 3 anos, conforme
previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação
civil;
O prazo prescricional de 3 anos
começou a ser contado a partir do ano 2000, momento em que João tomou conhecimento
inequívoco do dano e de seus efeitos. Como ele entrou com a ação 19 anos após o
ocorrido, sua pretensão estava prescrita.
Recurso
João recorreu alegando que a
pretensão de reparação por danos ambientais é imprescritível, pois indisponível
e diretamente ligada à dignidade humana. Invocou o Tema 999 do STF:
É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano
ambiental.
STF. Plenário. RE 654833, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em
20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 999) (Info 983).
Os argumentos de João foram acolhidos pelo STJ?
Essa pretensão é imprescritível?
NÃO.
Macrobem e microbem
O meio ambiente pode ser visualizado sob duas
perspectivas: macrobem e microbem.
Macrobem refere-se ao meio ambiente como um todo, em seu
conceito mais amplo. Refere-se ao meio ambiente enquanto bem difuso:
(…) Por macrobem entende-se o meio ambiente como um todo, o
patrimônio ambiental em seu conceito mais amplo, o conjunto de interações e
elementos em sua máxima complexidade e extensão. Por tal razão, a proteção do
macrobem se dá em nível igualmente elastecido como o de sua concepção,
considerando-se atentatório toda e qualquer ação que vítima o equilíbrio
ecológico e, necessariamente, danifica o meio ambiente. Em última ratio, a
noção de macrobem se confunde com tudo o que influencia diretamente a harmonia global
do meio ambiente.
STJ. QO no REsp n. 1.711.009/MG, relator Ministro Marco Buzzi,
Corte Especial, julgado em 19/12/2017, DJe de 23/3/2018.
Microbem refere-se, por outro lado, a algum elemento
individualmente considerado que compõe o meio ambiente. Por exemplo, a água é,
sob a ótica do microbem, meio ambiente. De igual forma, a fauna, o solo etc.:
(…) o microbem ambiental é todo e qualquer elemento considerado
isoladamente, constituinte e integrante do meio ambiente (a fauna, a flora, a
atmosfera, o ser humano, a água, o solo, o patrimônio ambiental cultural e
artificial, entre outros), ou seja, são unitariamente considerados, possuindo
muitas vezes tratamento legislativo próprio, onde a proteção se dá enquanto
efetivos bens ambientais singulares.
STJ. QO no REsp n. 1.711.009/MG, relator Ministro Marco Buzzi,
Corte Especial, julgado em 19/12/2017, DJe de 23/3/2018.
Tese fixada no Tema 999/STF não se aplica neste
caso concreto
De fato, a pretensão é
imprescritível no que tange à reparação de dano causado ao meio ambiente
(macrobem ambiental), enquanto direito difuso e indisponível.
Por outro lado, no caso de danos
ambientais individuais (microbem ambiental), o entendimento do STJ é no sentido
de que deve ser aplicado o instituto da prescrição, haja vista afetarem
direitos individualmente considerados, isto é, de titularidade definida. Nesse
sentido: REsp n. 1.346.489/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
Terceira Turma, julgado em 11/6/2013, DJe de 26/8/2013.
A aplicação do Tema 999 exige uma
preocupação com os fatos que levaram ao entendimento firmado, existindo nítida
situação de distinção entre o caso sob exame e as circunstâncias analisadas no
citado precedente qualificado do Supremo.
No caso que deu ensejo à fixação
da tese firmada no Tema n. 999 pelo STF, houve pedido de reparação do dano
causado ao meio ambiente, ainda que este tenha sido convertido em obrigação de
pagar quantia ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (nos termos do artigo 13
da Lei n. 7.347/1985 e Decreto n. 1.306/1994), a título de custeio de
recomposição ambiental.
Tal circunstância fática,
contudo, está ausente no caso sob exame, que se restringe à pretensão de
indenização por dano individual do autor, de natureza eminentemente privada,
sem qualquer pedido de restauração do meio ambiente. Essa diferença fática entre
os casos, relevante e indiscutível, é suficiente para reconhecimento da
distinção entre o caso concreto e a tese firmada pelo STF no Tema n. 999.
Dessa forma, deve ser aplicado o
entendimento da Segunda Seção do STJ, de que o termo inicial da prescrição dos
danos individuais experimentados em razão de dano ambiental se dá com a ciência
dos efeitos do fato gerador, no caso, do acidente que teria ocorrido em um dos
tanques de abastecimento de óleo diesel, que teria rompido e derramado o
conteúdo no solo.
Em suma:
No caso de danos ambientais individuais (microbem
ambiental), a pretensão de indenização está sujeita à prescrição, cujo termo
inicial conta-se da ciência inequívoca dos efeitos do fato gerador.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no REsp 2.029.870-MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
26/2/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).