Dizer o Direito

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A pretensão de responsabilização civil por danos ambientais também é imprescritível no caso de microbem ambiental?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é um agricultor que cultivava arroz, em uma pequena propriedade rural.

Em 05 de maio de 2000, um tanque de óleo diesel da empresa Vale S/A, armazenado em uma área próxima à propriedade de João, se rompeu.

O óleo vazou, espalhou-se com a chuva e contaminou o solo das áreas vizinhas, incluindo as terras de João, tornando-as improdutivas.

Em julho de 2019, João ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a Vale.

O juiz extinguiu o processo com resolução do mérito alegando que houve a prescrição.

Segundo o magistrado, o prazo prescricional para a ação de indenização por danos ambientais individuais, como o de João, segue a regra geral do Código Civil para ações indenizatórias, que é de 3 anos, conforme previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 3º Em três anos:

(...)

V - a pretensão de reparação civil;

 

O prazo prescricional de 3 anos começou a ser contado a partir do ano 2000, momento em que João tomou conhecimento inequívoco do dano e de seus efeitos. Como ele entrou com a ação 19 anos após o ocorrido, sua pretensão estava prescrita.

 

Recurso

João recorreu alegando que a pretensão de reparação por danos ambientais é imprescritível, pois indisponível e diretamente ligada à dignidade humana. Invocou o Tema 999 do STF:

É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.

STF. Plenário. RE 654833, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 999) (Info 983).

 

Os argumentos de João foram acolhidos pelo STJ? Essa pretensão é imprescritível?

NÃO.

 

Macrobem e microbem

O meio ambiente pode ser visualizado sob duas perspectivas: macrobem e microbem.

Macrobem refere-se ao meio ambiente como um todo, em seu conceito mais amplo. Refere-se ao meio ambiente enquanto bem difuso:

(…) Por macrobem entende-se o meio ambiente como um todo, o patrimônio ambiental em seu conceito mais amplo, o conjunto de interações e elementos em sua máxima complexidade e extensão. Por tal razão, a proteção do macrobem se dá em nível igualmente elastecido como o de sua concepção, considerando-se atentatório toda e qualquer ação que vítima o equilíbrio ecológico e, necessariamente, danifica o meio ambiente. Em última ratio, a noção de macrobem se confunde com tudo o que influencia diretamente a harmonia global do meio ambiente.

STJ. QO no REsp n. 1.711.009/MG, relator Ministro Marco Buzzi, Corte Especial, julgado em 19/12/2017, DJe de 23/3/2018.

 

Microbem refere-se, por outro lado, a algum elemento individualmente considerado que compõe o meio ambiente. Por exemplo, a água é, sob a ótica do microbem, meio ambiente. De igual forma, a fauna, o solo etc.:

(…) o microbem ambiental é todo e qualquer elemento considerado isoladamente, constituinte e integrante do meio ambiente (a fauna, a flora, a atmosfera, o ser humano, a água, o solo, o patrimônio ambiental cultural e artificial, entre outros), ou seja, são unitariamente considerados, possuindo muitas vezes tratamento legislativo próprio, onde a proteção se dá enquanto efetivos bens ambientais singulares.

STJ. QO no REsp n. 1.711.009/MG, relator Ministro Marco Buzzi, Corte Especial, julgado em 19/12/2017, DJe de 23/3/2018.

 

Tese fixada no Tema 999/STF não se aplica neste caso concreto

De fato, a pretensão é imprescritível no que tange à reparação de dano causado ao meio ambiente (macrobem ambiental), enquanto direito difuso e indisponível.

Por outro lado, no caso de danos ambientais individuais (microbem ambiental), o entendimento do STJ é no sentido de que deve ser aplicado o instituto da prescrição, haja vista afetarem direitos individualmente considerados, isto é, de titularidade definida. Nesse sentido: REsp n. 1.346.489/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/6/2013, DJe de 26/8/2013.

A aplicação do Tema 999 exige uma preocupação com os fatos que levaram ao entendimento firmado, existindo nítida situação de distinção entre o caso sob exame e as circunstâncias analisadas no citado precedente qualificado do Supremo.

No caso que deu ensejo à fixação da tese firmada no Tema n. 999 pelo STF, houve pedido de reparação do dano causado ao meio ambiente, ainda que este tenha sido convertido em obrigação de pagar quantia ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (nos termos do artigo 13 da Lei n. 7.347/1985 e Decreto n. 1.306/1994), a título de custeio de recomposição ambiental.

Tal circunstância fática, contudo, está ausente no caso sob exame, que se restringe à pretensão de indenização por dano individual do autor, de natureza eminentemente privada, sem qualquer pedido de restauração do meio ambiente. Essa diferença fática entre os casos, relevante e indiscutível, é suficiente para reconhecimento da distinção entre o caso concreto e a tese firmada pelo STF no Tema n. 999.

Dessa forma, deve ser aplicado o entendimento da Segunda Seção do STJ, de que o termo inicial da prescrição dos danos individuais experimentados em razão de dano ambiental se dá com a ciência dos efeitos do fato gerador, no caso, do acidente que teria ocorrido em um dos tanques de abastecimento de óleo diesel, que teria rompido e derramado o conteúdo no solo.

 

Em suma:

No caso de danos ambientais individuais (microbem ambiental), a pretensão de indenização está sujeita à prescrição, cujo termo inicial conta-se da ciência inequívoca dos efeitos do fato gerador. 

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 2.029.870-MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/2/2024 (Info 20 – Edição Extraordinária).


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