Dizer o Direito

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

A Lei Orgânica estadual do Ministério Público pode exigir que o Procurador-Geral de Justiça seja um Procurador de Justiça, ou seja, pode proibir que Promotores de Justiça sejam PGJ?

Quem é o chefe do Ministério Público estadual?

O Procurador-Geral de Justiça.

 

Como é escolhido o Procurador-Geral de Justiça?

É formada uma lista tríplice entre os membros da carreira.

Os três nomes da lista são escolhidos pelo voto plurinominal de todos os integrantes da carreira (art. 9º, § 1º, da Lei nº 8.625/93).

Em seguida, essa lista tríplice é encaminhada ao Governador do Estado que escolhe um desses nomes.

O escolhido é, então, nomeado pelo Governador para um mandato de 2 anos, permitida uma recondução.

Esse processo de escolha é previsto no art. 128, § 3º da CF/88:

Art. 128. (...)

§ 3º Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.

 

A Constituição Federal exige que o Procurador-Geral de Justiça seja um Procurador de Justiça ou pode ser um Promotor de Justiça?

A Constituição Federal não trata sobre esse ponto.

A única exigência que a Constituição faz é a de que o Procurador-Geral de Justiça seja um integrante da carreira, nomeado pelo Governador do Estado a partir de três nomes que são escolhidos pelo próprio MP.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93) também não traz nenhuma previsão a respeito.

 

A Lei Orgânica estadual do Ministério Público pode exigir que o Procurador-Geral de Justiça seja um Procurador de Justiça? A Lei Orgânica do Ministério Público estadual pode proibir que Promotores de Justiça concorram ao cargo de PGJ?

SIM. É possível.

A Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 734/93), por exemplo, prevê que somente Procuradores de Justiça podem concorrer ao cargo de Procurador-Geral de Justiça:

Artigo 10 - O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento.

§ 1º - Os integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira.

§ 2º - Com antecedência de pelo menos 50 (cinqüenta) dias, contados da data de expiração do mandato do Procurador-Geral de Justiça, o Conselho Superior do Ministério Público baixará normas de regulamentação do processo eleitoral, observadas as seguintes regras:

(...)

IV - é obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos 30 (trinta) dias antes da data de votação, para os Procuradores de Justiça que, estando na carreira:

(...)

VII - somente poderão concorrer à eleição os Procuradores de Justiça que se inscreverem como candidatos ao cargo, mediante requerimento dirigido ao Presidente do Conselho Superior do Ministério Público no prazo de 3 (três) dias úteis imediatamente posteriores ao término do prazo previsto para as desincompatibilizações.

 

Essa previsão é constitucional? É constitucional dispositivo de lei orgânica do Ministério Público estadual que restringe a escolha do chefe da instituição aos Procuradores de Justiça?

SIM.

É válida a estipulação de critérios adicionais à composição da lista tríplice para a escolha do chefe do Ministério Público estadual, desde que a eleição se dê entre membros da carreira, nos termos do art. 128, § 3º, da CF/88.

O elemento adotado como fator de desigualação consubstancia uma opção do legislador estadual para que a escolha do chefe do Ministério Público do Estado se dê entre os membros mais experientes e com maior tempo de carreira, conforme se presume dos casos dos que foram promovidos ao cargo de procurador de justiça, motivo pelo qual se vislumbra razoabilidade no discrímen.

STF. Plenário. ADI 6.551/SP e ADI 7.233/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 01/07/2024 (Info 1143).

 

Explicando melhor a decisão do STF envolvendo a Lei Orgânica do MP/SP

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ajuizaram duas ADIs contra o art. 10, caput, § 1º e § 2º, incisos IV e VII, da Lei Complementar nº 734 do Estado de São Paulo, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público estadual), os quais restringem a elegibilidade ao cargo de procurador-geral de justiça aos procuradores de justiça.

Os autores alegaram que essa restrição violaria os princípios da simetria e da igualdade na medida em que a norma impugnada veicularia regra discrepante em relação ao âmbito federal, no que se refere aos critérios de elegibilidade para a chefia do Ministério Público federal.

Sustentaram a inconstitucionalidade material da norma, por vislumbrarem uma discriminação em razão da classe profissional diante da exclusão dos promotores de justiça do rol dos candidatos ao cargo de procurador-geral de justiça.

Alegaram, ainda, que a discriminação se daria, de forma indireta, em razão do gênero, considerando que, no universo de procuradores de justiça, as mulheres representariam a minoria.

 

O STF concordou com os argumentos dos autores? A Lei impugnada é inconstitucional?

NÃO.

A escolha do procurador-geral de justiça dos Ministérios Públicos estaduais, conforme disposto na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993 – LONMP), será realizada mediante a elaboração de lista tríplice, entre integrantes da carreira.

Ademais, os estados possuem competência para editar leis complementares que estabeleçam a organização, as atribuições e o estatuto do Parquet local. Isso diz respeito ao espaço de conformação do legislador estadual para estabelecer critérios para a formação da lista tríplice visando à escolha do procurador-geral de justiça do ministério público respectivo, tendo em vista o que consta do art. 128, § 3º, da Constituição Federal:

Art. 128. (...)

§ 3º Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.

 

Por sua vez, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP), que estabelece normas gerais para a organização do ministério público dos estados, do Distrito Federal e dos territórios, nos termos da competência prevista no art. 61, § 1º, inciso II, alínea d, da CF/88, dispõe, em seu art. 9º, o seguinte:

Art. 9º Os Ministérios Públicos dos Estados formarão lista tríplice, dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento.

 

De acordo com a Constituição Federal e com a legislação federal que estipula normas gerais acerca da matéria, portanto, a escolha do procurador-geral de justiça deve ser feita mediante a formação de lista tríplice integrada por membros da carreira, critério a ser necessariamente observado por todos os ministérios públicos estaduais nas respectivas leis de organização, sob pena de inconstitucionalidade material da norma.

No caso concreto, a lei complementar estadual impugnada restringiu a elegibilidade passiva (aqueles que podem receber votos) aos Procuradores de Justiça, impedindo Promotores de integrarem a lista. Estes, contudo, podem atuar de forma ativa, através da prolação de seus votos para a composição da mencionada lista, em observância às disposições da LONMP.

 

Princípio da simetria

Ao contrário do que foi alegado, não cabe suscitar a aplicação do princípio da simetria no caso no que se refere ao modelo federal ‒ eleição do Procurador-Geral da República ‒, considerando-se que o constituinte previu, de forma expressa, regra aplicável à eleição dos Procuradores-Gerais de justiça no âmbito dos estados e do Distrito Federal.

O legislador local observou o texto constitucional e, no legítimo exercício da autonomia política do ente federativo, estipulou requisito não conflitante com a norma geral, não havendo que se falar em aplicação do princípio da simetria.

 

Princípio da igualdade

Tampouco merece acolhida o argumento de que a norma veicularia ofensa ao princípio da igualdade.

Ao tratar do princípio da igualdade, estamos situados na seara dos direitos e garantias fundamentais, os quais traduzem-se em valores regentes da ordem constitucional e, por conseguinte, de todo o ordenamento jurídico. Porém,  o princípio constitucional da igualdade não exclui a possibilidade de tratamento jurídico diferenciado a determinadas categorias de sujeitos.

No caso dos autos, o elemento adotado como fator de desigualação consubstancia opção do legislador estadual para que a escolha do chefe do Ministério Público do Estado de São Paulo se dê entre os membros mais experientes e com maior tempo de carreira, conforme se presume dos casos dos que foram promovidos ao cargo de procurador de justiça.

Nesses termos, a restrição da capacidade eleitoral passiva para a ocupação do cargo se justificaria pela necessidade de formação de lista tríplice integrada por membros do Ministério Público que estejam aptos a assumir as extensas atribuições do posto máximo da instituição, considerado seu histórico profissional.

Sob esses fundamentos, vislumbro razoabilidade no discrímen eleito pelo legislador paulista, de modo a afastar a discriminação em razão da classe profissional.

Conforme jurisprudência do STF, a experiência na atuação do cargo e o histórico profissional constituem justificativa razoável e racional para essa distinção, de modo que não há violação ao princípio da igualdade.

 

Em suma:

Não viola o princípio da igualdade norma de lei orgânica do Ministério Público estadual que restringe a escolha do chefe da instituição aos procuradores de justiça, pois há razoabilidade na exigência de maior experiência dos candidatos.

STF. Plenário. ADI 6.551/SP e ADI 7.233/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 01/07/2024 (Info 1143).

 

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, em apreciação conjunta, julgou improcedentes as ações para afastar a inconstitucionalidade do art. 10, caput, § 1º e § 2º, IV e VII, da Lei Complementar nº 734/1993 do Estado de São Paulo.


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