Imagine a seguinte situação
hipotética:
Taís esperava seu primeiro filho.
Duas semanas antes do dia
previsto para o parto, Taís procurou atendimento médico no Hospital Alfa devido
a fortes dores nas costas que estava sentindo.
No local, foi submetida à
cesariana e deu à luz uma criança, que, todavia, faleceu dias depois.
Foi constatado que o falecimento ocorreu
em razão de erro médico.
Taís e seu marido Pedro
ingressaram com ação de indenização por danos morais e materiais contra o
hospital e Regina, a médica, que fez o parto, responsável pelo erro. Importante
registrar que Taís e Pedro eram comprovadamente uma família de baixa renda.
Perícia
Durante a instrução processual,
foi realizada perícia médica.
João, médico perito, constatou que,
de fato, houve erro por parte de Regina, que não adotou os procedimentos
adequados no caso concreto.
Vale ressaltar que João, o médico
que realizou a perícia, não era especialista em ginecologia e obstetrícia.
Tratava-se de um médico clínico geral.
Em razão disso, o hospital
sustentou a nulidade do laudo pericial argumentado justamente que o perito não
é especialista em ginecologia e obstetrícia, mas sim clínico geral.
Esse argumento foi rejeitado pelo
juiz que afirmou não ser necessário que o perito seja um especialista naquela
área médica, podendo ser um clínico geral.
O magistrado, ao assim
decidir, seguiu a jurisprudência do STJ?
SIM.
A função do perito, enquanto auxiliar da Justiça, é analisar
e emitir opinião técnica ou científica sobre dados objetivos, quando o julgador
não possuir o conhecimento necessário para fazê-lo por si mesmo ou a partir de
outras provas. Em razão disso, o art. 465, caput, do CPC prevê que:
Art. 465. O juiz nomeará perito
especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega
do laudo.
Exige-se que o perito seja um
“profissional com conhecimento especializado exigido para a realização da
perícia. Esse profissional pode ser um autônomo legalmente habilitado (pessoa
natural) ou pode ser integrante do quadro de profissionais de uma pessoa
jurídica ou de um órgão técnico ou científico especializado” (DIDIER JR.,
Fredie (et. al.). Curso de Direito Processual Civil. 16ª ed. Salvador:
JusPodivm, 2021, p. 346).
Sucede que nem sempre o objeto da
perícia reclamará o exame por profissional com especialidade em determinada
área do conhecimento.
Diante disso, isso, o STJ flexibiliza
essa exigência para decidir que o perito médico não precisa ser necessariamente
da mesma especializada a respeito da qual está sendo feita a perícia.
Sendo assim, nos processos em que
é necessária a realização de prova pericial para fins de apurar a ocorrência ou
não de erro médico, é possível que a perícia seja realizada por um médico não
especialista na área de conhecimento do profissional cuja atuação se busca
apurar, desde que os elementos concretos revelem que essa circunstância não
comprometerá a idoneidade da prova.
A perícia elaborada por perito médico não
especialista na área de conhecimento da perícia não acarreta a nulidade do
laudo pericial, desde que os elementos concretos revelem que essa circunstância
não comprometerá a idoneidade da prova.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.121.056-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/5/2024 (Info
814).
E quanto ao mérito, o que
decidiu o magistrado?
O juiz julgou os pedidos procedentes e condenou os réus
a:
a) pagar
indenização por danos
morais, no valor de R$ 50.000,00 para cada um dos autores;
b) pagar
pensionamento
devido aos pais do recém-nascido. De acordo com a sentença, essa pensão deverá
ser paga no valor de 2/3 (dois terços) do salário mínimo, a partir do momento
em que o recém-nascido completaria 14 (quatorze) anos. Quando chegar a data em
que o falecido atingiria os 25 (vinte e cinco) anos de idade, o valor da pensão
é reduzido para 1/3 (um terço) do salário mínimo. Assim, imaginemos que a
criança nasceu no dia 02/02/2020. Os réus foram condenados a pagar uma pensão de
2/3 do salário mínimo a partir do dia 02/02/2034. A partir de 02/02/2045, o
valor da pensão cairia para 1/3 do salário mínimo. O termo final será a data em
que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do
brasileiro, segundo a Tabela do IBGE, ou o momento do falecimento dos
beneficiários (pais/autores), o que ocorrer primeiro.
Os réus interpuseram recurso alegando que não era devida a condenação
em pensionamento, já que:
“No presente caso, por
tratar-se de falecimento de um recém-nascido com 11 dias de vida, seria uma
mera expectativa que o mesmo contribuiria com as economias do lar quando
atingisse a idade para trabalhar, inexistindo dependência econômica dos
genitores em relação ao filho falecido”.
O Tribunal de Justiça não concordou com os argumentos dos
recorrentes e confirmou que o pensionamento era devido.
Ainda inconformado, o Hospital interpôs recurso especial
defendendo o não cabimento de pensão alimentícia (pensionamento) aos pais pelo
falecimento de recém-nascido.
Para o STJ, o pensionamento é devido?
SIM. É possível o pensionamento em favor dos pais de um recém-nascido.
Isso porque é possível presumir que se o recém-nascido não tivesse vindo a
óbito em decorrência de ato ilícito praticado por terceiro, ele passaria a
contribuir para as despesas familiares quando atingisse 14 (quatorze) anos de
idade.
O pensionamento encontra fundamento legal no art. 948, II,
do Código Civil:
Art. 948. No caso de homicídio, a
indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I - no pagamento das despesas com
o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II - na prestação de alimentos às
pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida
da vítima.
O pensionamento tem por finalidade suprir o amparo
financeiro que era prestado pelo falecido.
Ainda que a morte seja de filho menor, a pensão em favor
dos pais será devida, tendo em vista que existe uma presunção de que este filho
morto precocemente iria prestar auxílio econômico futuro aos pais.
Se a família for de baixa renda, há presunção relativa da
dependência econômica entre os seus membros e, nas demais situações, é
necessária a comprovação da dependência.
Nessa
situação, todavia, o termo inicial da pensão será a data em que a vítima
completaria 14 (quatorze) anos, idade a partir da qual é admitida a celebração
de contrato de trabalho, e o termo final será a data em que a vítima
completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro,
segundo a Tabela do IBGE, ou o momento do falecimento do beneficiário, o que
ocorrer primeiro. Ademais, a pensão corresponderá à 2/3 do salário mínimo
vigente à data do óbito e será reduzida para 1/3 após a data em que ele
completaria 25 anos.
Essa é a orientação consolidada
na Súmula 491 do STF, segundo a qual:
Súmula 491-STJ: É indenizável o acidente que cause a morte de
filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.
Esse raciocínio se aplica mesmo que a vítima seja
recém-nascido, como no caso concreto.
Em suma:
É cabível pensionamento na hipótese de falecimento de
recém-nascido, cujo termo inicial será a data em que a vítima completaria 14
(quatorze) anos, e o termo final será a data em que a vítima completaria a
idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.121.056-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/5/2024 (Info
814).