quarta-feira, 10 de julho de 2024
Os empregados da OAB são equiparados a funcionários públicos para fins penais?
Imagine a seguinte situação adaptada:
Antes de abril de 2007, o Exame
da Ordem dos Advogados do Brasil era feito por seccional. Não se tratava de um
exame nacional unificado.
Em dezembro de 2006, Marcelo, bacharel
em Direito, prometeu vantagem indevida (R$ 30 mil) a João, empregado de uma
seccional da OAB, para que ele fornecesse o gabarito da prova objetiva.
João aceitou e forneceu o
gabarito.
Ocorre que, posteriormente, a
situação foi descoberta.
Diante disso, João foi denunciado por corrupção passiva
(art. 317 do CP) e Marcelo denunciado por corrupção ativa (art. 333, parágrafo
único, do CP):
Art. 333 - Oferecer ou prometer
vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir
ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12
(doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada
de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou
omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Marcelo alegou que sua conduta é
atípica e que não pode responder por corrupção ativa considerando que o tipo
penal fala em “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público”. Ocorre que João não é
funcionário público já que a OAB não é autarquia nem integra a administração
pública.
O que decidiu o STJ? João,
empregado da OAB, pode ser considerado funcionário público, para fins penais?
SIM.
O
STF, nos autos da ADI 3.026/DF (Relator Ministro Eros Grau, julgado em
8/6/2006, DJ 29/9/2006), firmou o entendimento de que a Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB é uma entidade sui generis, constituindo “serviço público
independente”, não sendo autarquia federal e nem integrando a Administração
Pública Federal.
O STJ, por sua vez, ao julgar o
REsp 1.977.628/GO, entendeu que “a Ordem dos Advogados do Brasil é uma
autarquia sui generis, que presta serviço público de fiscalizar a profissão de
advogado, função essencial à administração da Justiça, nos termos do art. 133
da Constituição, e típica da Administração Pública” (REsp n. 1.977.628,
Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), DJe de
05/08/2022.).
Vale ressaltar que a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) prevê
que os servidores da OAB estão sujeitos ao Estatuto dos Servidores Públicos
Federais (Lei nº 8.112/90):
Art. 79 (...)
§ 1º Aos servidores da OAB,
sujeitos ao regime da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o
direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da
vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização,
quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última
remuneração.
Logo, diante disso, não há como
deixar de reconhecer a natureza jurídica de servidor público dos funcionários
da OAB, para fins penais.
Aliás, o art. 327, § 1º, do
Código Penal equipara a funcionário público para fins penais aquele que “exerce
cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa
prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade
típica da Administração Pública”, como neste caso da OAB.
Não há, portanto, que se falar em
atipicidade da conduta do réu, considerando que o empregado da OAB, destinatário
da vantagem indevida, a qual desempenhava funções de secretário da Comissão de
Estágio e Exame de Ordem, deve ser equiparada a funcionário público nos termos
do art. 327, § 1º, do Código Penal, especialmente em razão da função exercida,
eis que participa diretamente da fiscalização da regularidade das emissões de
carteiras de advogado, função típica da Administração Pública outorgada pela
União à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.
As conclusões do Supremo Tribunal
Federal no julgamento da ADI 3.026/DF, no sentido de que a OAB não faz parte ou
se sujeita à Administração Pública, não têm o condão de afastar o presente
entendimento, alterando a condição de funcionário público por equiparação do
empregado da OAB, pois a referida decisão não retirou a natureza pública do
serviço prestado pela entidade, vinculado à sua finalidade institucional de
administração da Justiça, relacionada ao exercício da advocacia.
Em suma:
Os empregados da OAB são equiparados a funcionários
públicos para fins penais.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 750.133-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 14/5/2024 (Info
815).