Dizer o Direito

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Lei estadual pode conceder porte de arma de fogo a Defensores Públicos?

O caso concreto foi o seguinte:

No Estado do Espírito Santo foi editada a Lei Complementar nº 55/94, que assegurou o direito de porte de arma de fogo aos membros da Defensoria Pública:

Art. 55. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública dentre outras que lhe sejam conferidas por lei ou que forem inerentes a seu cargo:

(...)

II - possuir carteira funcional, expedida pelo Defensor Público Geral, na forma da lei, sendo-lhe ainda, assegurado o direito a porte de arma.

 

O Presidente da República ajuizou ADI contra essa previsão alegando que a norma impugnada ofende a Constituição Federal, uma vez que cabe à União as atribuições de autorizar e fiscalizar o uso de material bélico, assim como legislar sobre a matéria.

 

Esse argumento foi acolhido pelo STF? O dispositivo impugnado viola a Constituição Federal?

SIM.

 

Competência da União

A Constituição Federal atribuiu à União a competência material para autorizar e fiscalizar o armamento produzido e comercializado no País:

Art. 21. Compete à União:

(...)

VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;

 

A CF também outorgou ao legislador federal a competência legislativa correspondente para editar normas sobre material bélico:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;

 

Uniformidade nacional

O porte de arma de fogo constitui assunto relacionado à segurança nacional e, pelo princípio da predominância do interesse, insere-se na competência da União, tendo em vista o objetivo de se instituir uma política criminal de âmbito nacional.

Nesse contexto, compete ao legislador federal definir os requisitos para a concessão do porte de arma de fogo e os titulares desse direito.

 

O Estatuto do Desarmamento não concedeu porte de arma para Defensores Públicos

A Lei nº 10.826/2003 prevê, em seu art. 6º, as categorias e pessoas que podem, excepcionalmente, ter porte de arma de fogo. Os Defensores Públicos não foram contemplados nesse rol.

Por consequência, são inconstitucionais diplomas legislativos estaduais ou municipais que disciplinem sobre material bélico e autorizem o porte para categorias específicas de servidores ou, ainda, que admitem a configuração de circunstâncias ou atividades profissionais supostamente sujeitas a ameaças e riscos ao direito fundamental à integridade física.

 

Em suma:

É inconstitucional lei estadual que concede o direito ao porte de arma de fogo a membros da Defensoria Pública local.

Essa previsão viola a competência material exclusiva da União para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico (art. 21, VI, CF/88). Além disso, ofende a competência privativa da União para legislar sobre o assunto (art. 22, XXI, CF/88).

STF. Plenário. ADI 7.571/ES, Rel. Min. Cristiano Zanin, julgado em 05/06/2024 (Info 1139).

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, converteu o exame da medida cautelar em análise de mérito e julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 55, II, em sua parte final, da Lei Complementar nº 55/1994 do Estado do Espírito Santo.

 

Existem outros precedentes do STF no mesmo sentido:

É inconstitucional lei estadual que concede porte de arma de fogo a agentes socioeducativos.

Isso porque a competência para legislar sobre direito penal e material bélico é privativa da União (art. 22, I e XXI, CF/88).

STF. Plenário. ADI 7.424/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/02/2024 (Info 1122).

 

É inconstitucional — por violar as competências da União material exclusiva para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico (art. 21, VI, CF/88) e legislativa privativa para dispor acerca de normas gerais sobre esses artefatos (art. 22, XXI, CF/88) — lei estadual que reconhece o risco da atividade e a efetiva necessidade do porte de armas de fogo a vigilantes e a seguranças prestadores de serviços em instituições privadas e públicas.

STF. Plenário. ADI 7.574/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2024 (Info 1131).

 

Legislações estaduais que concedam porte de arma a Agentes de Segurança Socioeducativos são formalmente inconstitucionais, pois violam competência privativa da União.

A concessão de porte de arma de fogo a Agentes de Segurança Socioeducativos reforça a ideia equivocada de que as medidas socioeducativas possuem caráter punitivo, contrariando o seu caráter educativo e preventivo, fundado nas disposições constitucionais de proteção aos direitos da criança e do adolescente, razão pela qual é materialmente inconstitucional.

STF. Plenário. ADI 7269/MT, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03/07/2023.


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