O caso concreto foi o seguinte:
No Estado do
Espírito Santo foi editada a Lei Complementar nº 55/94, que assegurou o direito
de porte de arma de fogo aos membros da Defensoria Pública:
Art. 55. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública dentre
outras que lhe sejam conferidas por lei ou que forem inerentes a seu cargo:
(...)
II - possuir carteira funcional, expedida pelo Defensor Público Geral,
na forma da lei, sendo-lhe ainda, assegurado o direito a porte de arma.
O Presidente da República ajuizou ADI contra essa
previsão alegando que a norma impugnada ofende a Constituição Federal, uma vez
que cabe à União as atribuições de autorizar e fiscalizar o uso de material
bélico, assim como legislar sobre a matéria.
Esse argumento foi
acolhido pelo STF? O dispositivo impugnado viola a Constituição Federal?
SIM.
Competência da União
A
Constituição Federal atribuiu à União a competência material para autorizar e
fiscalizar o armamento produzido e comercializado no País:
Art. 21. Compete à União:
(...)
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
A CF também
outorgou ao legislador federal a competência legislativa correspondente para
editar normas sobre material bélico:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico,
garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias
militares e dos corpos de bombeiros militares;
Uniformidade nacional
O porte de arma de fogo constitui assunto relacionado à
segurança nacional e, pelo princípio da predominância do interesse, insere-se
na competência da União, tendo em vista o objetivo de se instituir uma política
criminal de âmbito nacional.
Nesse contexto, compete ao legislador federal definir os
requisitos para a concessão do porte de arma de fogo e os titulares desse
direito.
O Estatuto do Desarmamento não concedeu porte de arma
para Defensores Públicos
A Lei nº 10.826/2003 prevê, em seu art. 6º, as categorias
e pessoas que podem, excepcionalmente, ter porte de arma de fogo. Os Defensores
Públicos não foram contemplados nesse rol.
Por consequência, são inconstitucionais diplomas
legislativos estaduais ou municipais que disciplinem sobre material bélico e
autorizem o porte para categorias específicas de servidores ou, ainda, que
admitem a configuração de circunstâncias ou atividades profissionais
supostamente sujeitas a ameaças e riscos ao direito fundamental à integridade
física.
Em suma:
É
inconstitucional lei estadual que concede o direito ao porte de arma de fogo a
membros da Defensoria Pública local.
Essa previsão
viola a competência material exclusiva da União para autorizar e fiscalizar a
produção e o comércio de material bélico (art. 21, VI, CF/88). Além disso,
ofende a competência privativa da União para legislar sobre o assunto (art. 22,
XXI, CF/88).
STF. Plenário.
ADI 7.571/ES, Rel. Min. Cristiano Zanin, julgado em 05/06/2024 (Info 1139).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por
unanimidade, converteu o exame da medida cautelar em análise de mérito e julgou
procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 55, II, em
sua parte final, da Lei Complementar nº 55/1994 do Estado do Espírito Santo.
Existem outros precedentes do STF no mesmo sentido:
É
inconstitucional lei estadual que concede porte de arma de fogo a agentes
socioeducativos.
Isso porque a
competência para legislar sobre direito penal e material bélico é privativa da
União (art. 22, I e XXI, CF/88).
STF. Plenário.
ADI 7.424/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/02/2024 (Info 1122).
É
inconstitucional — por violar as competências da União material exclusiva para
autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico (art. 21, VI,
CF/88) e legislativa privativa para dispor acerca de normas gerais sobre esses
artefatos (art. 22, XXI, CF/88) — lei estadual que reconhece o risco da
atividade e a efetiva necessidade do porte de armas de fogo a vigilantes e a
seguranças prestadores de serviços em instituições privadas e públicas.
STF. Plenário.
ADI 7.574/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2024 (Info 1131).
Legislações
estaduais que concedam porte de arma a Agentes de Segurança Socioeducativos são
formalmente inconstitucionais, pois violam competência privativa da União.
A concessão de
porte de arma de fogo a Agentes de Segurança Socioeducativos reforça a ideia
equivocada de que as medidas socioeducativas possuem caráter punitivo,
contrariando o seu caráter educativo e preventivo, fundado nas disposições
constitucionais de proteção aos direitos da criança e do adolescente, razão
pela qual é materialmente inconstitucional.
STF. Plenário.
ADI 7269/MT, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03/07/2023.