O caso concreto foi o seguinte:
O Estado de Goiás editou a Lei estadual nº 22.571/2024, que
instituiu medidas facilitadoras para o contribuinte negociar seus débitos
relativos ao IPVA e ao ITCD.
Além disso, editou também a Lei estadual nº 22.572/2024,
que instituiu medidas facilitadoras para que o contribuinte negocie seus
débitos relacionados ao ICMS.
Essas Leis previram regras de anistia e remissão de
créditos tributários.
Até aí, tudo bem. Leis como essa são muito comuns não
apenas no âmbito estadual, mas também nas esferas municipal e federal.
O problema foi que essas duas leis previram que:
- se o débito tributário já estiver sendo cobrado em
juízo
- e o contribuinte decidir pagar voluntariamente
- quando o processo for extinto pelo pagamento
- a Fazenda
Pública iria conceder um desconto no valor que o contribuinte teria que pagar a
título de honorários advocatícios no processo judicial. Veja:
Lei nº 22.571/2024
Art. 12. No caso de débito ajuizado, os honorários advocatícios serão
reduzidos em 65% (sessenta e cinco por cento).
Parágrafo único. Fica dispensada, na hipótese prevista no caput deste
artigo, a comprovação de despesas processuais.
Lei nº 22.572/2024
Art. 12. No caso de débito ajuizado, haverá a redução de 65% (sessenta e
cinco por cento) dos honorários advocatícios.
Parágrafo único. Fica dispensada, na hipótese prevista no caput deste
artigo, a comprovação de despesas processuais.
ADI
A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal (ANAPE) propôs ação direta de inconstitucionalidade contra
esses dispositivos.
A autora alegou que o propósito das normas questionadas é
facilitar a negociação de débitos relativos a impostos estaduais. Todavia, o
legislador estadual, ao dispor sobre honorários advocatícios dos Procuradores
do Estado, usurpou a competência privativa da União em matéria de direito
processual.
A ANAPE sustentou que os dispositivos questionados estão
em confronto com o regramento do tema, previsto no CPC. Argumentou que não é
possível que estadual que reduza os honorários advocatícios a percentuais
inferiores àqueles definidos no diploma processual.
Os argumentos invocados pela Associação foram acolhidos
pelo STF?
SIM.
O art. 22, I,
da CF/88 prevê que compete privativamente à União legislar sobre direito
processual:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...)
A legislação estadual, ao conceder benefício fiscal, não
pode reduzir a parcela da remuneração de agentes públicos locais.
No caso concreto, as leis estaduais cuidam de matéria
afeita ao direito processual e adentram questão já disciplinada em norma
federal, o Código de Processo Civil.
O art. 85 do CPC
trata dos critérios de fixação dos honorários advocatícios, bem assim de seus
percentuais mínimo e máximo. Logo, as leis estaduais de Goiás, ao instituírem
desconto de 65% sobre os honorários advocatícios devidos aos Procuradores do
Estado, acabam por contrariar a norma geral, em afronta ao art. 24, § 1º, da
Constituição Federal, in verbis:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
(...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
Ademais, partindo da premissa de que os honorários
advocatícios de certas carreiras públicas possuem natureza remuneratória, o
legislador estadual não pode transigir e conceder benefício fiscal sobre
parcela autônoma que compõe a remuneração dos procuradores do estado.
Nesse contexto, há evidente infringência às normas gerais
fixadas pela União (art. 85 e respectivos parágrafos, CPC), e,
consequentemente, ao regime constitucional de repartição de competências (art.
24, § 1º, CF/88).
Em suma:
É
inconstitucional lei estadual que concede desconto sobre honorários de
sucumbência devidos em ações tributárias e execuções fiscais ajuizadas.
Essa norma
viola a competência privativa da União para legislar sobre direito processual
(art. 22, I, CF/88).
STF. Plenário.
ADI 7.615 MC-Ref/GO, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 05/06/2024 (Info
1139).
Com base nesses entendimentos, o Plenário do STF, por
unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do art. 12 da Lei nº 22.571/2024
e do art. 12 da Lei nº 22.572/2024, ambas do Estado de Goiás.
DOD Plus –
julgado no mesmo sentido
Ementa: Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 20.634, de 2021, do Estado do Paraná.
Programa estadual de parcelamento de débitos por meio do qual se concede
desconto sobre honorários de sucumbência titularizados pelos procuradores
daquele estado. Norma de caráter processual. Violação ao art. 22, I, e 61, §
1º, II, e, da Constituição. Competência da união para edição de norma de
caráter processual. Afronta a precedentes que reconhecem a natureza
remuneratória dos honorários advocatícios. Ação direta julgada procedente.
(...)
2. A norma
estadual, ao conceder desconto de 85% sobre honorários de sucumbência, devidos
em ações tributárias e execuções fiscais ajuizadas, criou nova regência para o
pagamento de honorários advocatícios, de modo a ofender a regra de competência
privativa da União para legislar sobre “direito processual” (CRFB, art. 22, I).
Precedentes.
3. O Supremo
Tribunal Federal consolidou jurisprudência no sentido de que os honorários
advocatícios podem compor a remuneração de determinadas carreiras públicas,
sujeitando-se, assim, ao teto constitucional. É uma decorrência lógica de tal
premissa a noção de que o Estado não pode transigir e conceder benefício fiscal
que recai sobre parcela autônoma componente da remuneração dos seus
Procuradores.
4. Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente.
STF. Plenário.
ADI 7014, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/11/2022.