segunda-feira, 8 de julho de 2024
É possível divórcio post mortem?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro e Regina estavam casados há
mais de 30 anos sob o regime de comunhão universal de bens e tinham três filhos
adultos.
Em 2020, após uma série de
desentendimentos e um episódio de violência doméstica, Regina solicitou uma
medida protetiva contra Pedro, que foi concedida pelo juiz. Desde então, Pedro
e Regina viviam separados de fato.
Em 2021, Pedro decidiu formalizar
a separação e entrou com uma ação de divórcio litigioso cumulada com partilha
de bens. Regina, por sua vez, concordou com o pedido de divórcio e, em sua
resposta à ação, solicitou que o divórcio fosse decretado antecipadamente,
independentemente da conclusão da partilha dos bens.
Enquanto o processo de divórcio
ainda estava em tramitação, Regina faleceu em junho de 2022.
Pedro apresentou um pedido ao
juiz para que o processo de divórcio fosse extinto sem resolução do mérito,
argumentando que a morte de Regina encerrava automaticamente o casamento e que
o divórcio não poderia mais ser decretado.
Os filhos de Regina, por outro
lado, se habilitaram no processo como herdeiros e pleitearam a continuação do
divórcio post mortem, com base na manifestação inequívoca de vontade de
Regina em vida de ver dissolvido o vínculo matrimonial. Argumentaram que a
vontade expressada por Regina de se divorciar deveria ser respeitada e que o
divórcio deveria ser decretado mesmo após seu falecimento, para preservar os
efeitos legais e patrimoniais decorrentes dessa decisão.
Em primeira instância, o juiz
concordou com os argumentos dos herdeiros e decretou o divórcio post mortem,
decisão que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça.
Inconformado, Pedro interpôs
recurso especial alegando que, com a morte de Regina, o direito ao divórcio,
sendo personalíssimo, deveria se extinguir e que os herdeiros não teriam
legitimidade para prosseguir com o pedido.
O que decidiu o STJ? É
possível a decretação de divórcio mesmo que um dos cônjuges tenha falecido após
a propositura da ação e antes da sentença?
SIM.
O divórcio é um direito
potestativo ou formativo. Esse direito pode ser exercido unilateralmente por um
dos cônjuges, simplesmente manifestando sua vontade, e cria uma situação de
sujeição para o outro cônjuge.
A esposa, mesmo não sendo a
autora da ação de divórcio, claramente concordou com o pedido feito contra ela.
Logo, é possível reconhecer e validar sua vontade, mesmo após sua morte.
É possível, portanto, a
decretação do divórcio post mortem, mas para isso não pode haver dúvidas sobre
a vontade do cônjuge falecido de se divorciar. Caso contrário, o processo deve
ser extinto sem resolução do mérito, pois se trata de um direito personalíssimo.
É importante notar que não se
está reconhecendo a transmissibilidade do direito ao divórcio, mas sim
preservando os efeitos atribuídos pela lei e pela declaração de vontade do
cônjuge falecido. A verificação do exercício desse direito deve ocorrer dentro
do processo judicial de divórcio ou em âmbito extrajudicial, no procedimento
cartorário correspondente, com a sucessão processual pelos herdeiros do
falecido no âmbito judicial.
Em suma:
É possível a decretação do divórcio na hipótese em
que um dos cônjuges falece após a propositura da respectiva ação, notadamente
quando manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que
fora formulado em seu desfavor.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.022.649-MA, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
16/5/2024 (Info 815).