Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é empresário. Para exercer as atividades comerciais,
ele se utiliza dos serviços bancários do Banco XXX. Ele agendou com o gerente
da agência que no dia seguinte iria fazer o saque de R$ 35.000,00, em espécie (“dinheiro
vivo”), para realizar o pagamento de seus funcionários.
No dia seguinte, João se dirigiu à agência e realizou o
saque da quantia.
Ocorre que, ao sair do estabelecimento bancário, João foi
seguido e, logo que entrou com o seu veículo no estacionamento do escritório da
sua empresa, foi abordado por dois homens armados que, sob grave ameaça,
exigiram os R$ 35.000,00 que ele havia acabado de sacar.
João interpretou o ocorrido como uma grave falha na
prestação de serviços por parte do Banco XXX, que, no seu entender, deixou
“vazar” a informação acerca da retirada vultosa de dinheiro que ocorreria
naquele dia e horário.
Diante disso, ele ajuizou ação de indenização contra o
Banco, apontando violação do dever de segurança que a instituição bancária
deveria assegurar aos seus consumidores.
O Banco contestou alegando que “instituições financeiras
não podem ser responsabilizadas pelos danos decorrentes de roubos apenas em
razão do objeto ser quantia sacada em uma de suas agências”. Argumentou ainda
que “a responsabilidade objetiva pela segurança pública é exclusiva do Estado”,
e não do Banco.
A discussão chegou até o STJ. O Banco foi condenado
a indenizar o cliente? A instituição financeira deve ser
responsabilizada por roubo contra cliente, após este transitar por via pública
e chegar ao seu destino, pelo fato de estar de posse de valores, em espécie,
recentemente sacados diretamente no caixa bancário?
NÃO.
Inicialmente, cumpre relembrar o
que diz a Súmula 479 do STJ:
Súmula 479-STJ: As instituições financeiras respondem
objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e
delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
O entendimento exposto na Súmula
479 do STJ somente se aplica nos casos de fortuito interno. Assim, se houver
crime ocorrido no interior da agência, o banco terá responsabilidade objetiva,
em razão do risco inerente à atividade, que abrange guarda e movimentação de
altos valores em espécie.
Todavia, esse entendimento
jurisprudencial não se aplica à hipótese presente, em que, a vítima, após sacar
uma quantia na agência bancária, supostamente teria sido seguida por todo o
percurso pelos criminosos até o estacionamento do prédio onde se situa o
escritório de sua empresa e, só após chegar a este local, fora anunciado o
assalto.
Dessa forma, tendo em conta os
contornos fáticos delineados pela instância de origem, em um cenário em que o
correntista é vítima de crime de roubo em local distante das dependências do
banco onde, anteriormente, efetivara saque de dinheiro em espécie, não se
revela a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência do crime
contra o correntista tempos depois e quilômetros de distância.
Com efeito, cuida-se de evidente
fortuito externo, o qual afasta o nexo de causalidade e, portanto, afasta a
responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, especialmente pela
razão de que o crime não foi praticado no interior do estabelecimento bancário.
Em casos semelhantes à hipótese, o STJ já firmou
jurisprudência no sentido de que o banco não pode ser responsabilizado por
crime ocorrido em via pública, tendo em vista que o risco inerente à atividade
exercida pela instituição financeira não a torna responsável pelo crime sofrido
pelo correntista fora das suas dependências.
Em suma:
A instituição financeira não pode ser
responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após
chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no
caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a
responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 1.379.845-BA, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/5/2024
(Info 814).
Fortuito
interno x fortuito externo:
Fortuito interno |
Fortuito externo |
Está relacionado com a organização da empresa. É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida
pelo fornecedor. |
Não está relacionado com a organização da empresa. É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade
com a atividade desenvolvida pelo fornecedor. É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao
serviço fornecido. |
Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de
transporte coletivo; Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue
transferir dinheiro da conta de um cliente. Ex3: durante o transporte da matriz para uma das
agências ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se
de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria
atividade desenvolvida). |
Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus
coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a
segurança dos passageiros contra assaltos); Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia,
causando danos aos clientes que lá estavam. |
Para o STJ, o fortuito interno NÃO exclui a obrigação
do fornecedor de indenizar o consumidor. |
Para o STJ, o fortuito externo é uma causa excludente
de responsabilidade. |