O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Juliana inscreveu-se no concurso para Juiz de Direito.
Ela foi aprovada na primeira fase do certame e, portanto, realizou a
segunda fase, composta por prova discursiva e provas práticas de sentença
(cível e criminal).
Juliana teve êxito na prova discursiva e na sentença criminal.
Contudo, ela foi reprovada na prova de sentença cível, considerando que
obteve 5,61 pontos de nota, abaixo do mínimo de 6 pontos previsto no edital.
Mandado de segurança
Inconformada, Juliana impetrou
mandado de segurança contra a banca examinadora.
Explicou, inicialmente, que sua pretensão não encontrava óbice no entendimento
exarado pelo STF no RE 632.853 (Tema 485 – Judiciário não pode substituir a
banca examinadora). Isso porque, no caso concreto, houve flagrante violação ao
princípio da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade, isonomia e segurança
jurídica.
Quanto ao mérito, alegou que a
sua resposta estava de acordo com precedente obrigatório do STJ (Tema
872/recurso repetitivo) e que, mesmo assim, esse argumento foi considerado
incorreto.
Logo, a impetrante alegou que a
banca examinadora praticou flagrante ilegalidade.
O Tribunal de Justiça denegou a
segurança.
Juliana interpôs, então, recurso
ordinário para o STJ insistindo na tese de que o espelho de correção da banca
examinadora estava em confronto com precedente obrigatório do STJ.
Argumentou, ainda, que no edital do concurso havia previsão expressa
de que seriam cobradas as jurisprudências das Cortes Superiores, sendo o Tema 872
do STJ o entendimento mais recente sobre o assunto.
Assim, a banca examinadora, não aplicar o precedente obrigatório no
gabarito de correção, afrontou o edital do concurso.
O STJ concordou com os
argumentos da impetrante/recorrente?
SIM. Os principais fundamentos do acórdão são os seguintes:
Bancas de concurso vs.
Poder Judiciário
Compete à Administração Pública a escolha dos métodos e dos critérios
para aferir a aptidão e o mérito dos candidatos nos concursos públicos
destinados ao provimento de cargos públicos efetivos.
Por se tratar de atribuição própria da autoridade administrativa, deve-se
ter especial deferência às decisões das bancas examinadoras constituídas para a
dirigir esses certames.
Todavia, a deferência judicial ao papel desempenhado pelas bancas examinadoras
e à discricionariedade inerente às funções por elas desempenhadas não significa
que o Poder Judiciário não possa intervir em hipóteses de desrespeito flagrante
à lei e aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.
O STF, no julgamento do RE
632.853/CE (Tema 485), sob o regime da repercussão geral, firmou a compreensão
de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para
reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo
ocorrência de ilegalidade e inconstitucionalidade.” (RE 632.853/CE, Relator
Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/4/2015, DJe 29/6/2015).
Desse modo, o entendimento adotado pelo STF não afasta completamente o
controle jurisdicional sobre os atos praticados pelas bancas examinadoras de
concursos públicos, porém exige, para que seja lícito ao Poder Judiciário
intervir nessa matéria, a presença de ilegalidade ou inconstitucionalidade flagrantes.
Nesse sentido:
(...) 1. O STF, ao julgar o RE n. 603.580-RG/RJ, firmou o
entendimento de que "não compete ao Poder Judiciário substituir a banca
examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção
utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade"
(Tema n. 485/STF).
2. Caracterizada a ilegalidade na atuação da banca, o acórdão
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça está em consonância com a
jurisprudência firmada pela Suprema Corte, motivo pelo qual a decisão que negou
seguimento ao recurso extraordinário deve ser mantida. (...)
STJ. Corte Especial. AgInt no RE nos EDcl no AgInt no RMS
68.662/MS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/6/2023.
Comissão examinadora
praticou ato ilícito e contrário ao edital ao negar pontuação à resposta da candidata mesmo estando de acordo com
precedente obrigatório do STJ
A
revisão judicial da atuação de bancas examinadoras em concursos públicos é
permitida em casos de ilegalidade, especialmente quando há descumprimento das
regras estabelecidas no edital. Estas regras vinculam tanto os candidatos
quanto a Administração Pública. Por isso, o STJ admite a intervenção judicial
para garantir o cumprimento das normas editalícias.
Embora
a resposta dada pela candidata estivesse de acordo com a jurisprudência do STJ,
a banca examinadora a considerou incorreta. Esta conduta da banca é passível de
questionamento por inconstitucionalidade, ilegalidade e violação de norma do
edital, justificando a intervenção judicial para corrigir a arbitrariedade
administrativa.
A
decisão da banca de não aplicar o entendimento consolidado do STJ sobre norma
processual federal é inconstitucional, porque desrespeita a função
institucional atribuída ao STJ pela Constituição Federal.
Além
disso, o art. 927 do CPC/2015 estabeleceu um sistema de precedentes no direito
processual brasileiro, tornando obrigatória a observância dos acórdãos
proferidos pelo STJ em julgamentos de recursos especiais repetitivos. Portanto,
a recusa da banca em aceitar uma resposta baseada em precedente obrigatório do
STJ também configura ilegalidade.
Esta
conduta também contraria o art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro), que determina que as autoridades
públicas devem agir para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas.
É contrário à segurança jurídica e à boa-fé administrativa que uma banca
examinadora de concurso público rejeite, em matéria de lei federal, a
interpretação consolidada pelo órgão constitucionalmente responsável por
uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional.
Por
fim, o edital do concurso incluía explicitamente “Jurisprudência e Súmulas dos
Tribunais Superiores (STJ e STF)” como objeto de avaliação em direito
processual civil. Ao negar pontuação à resposta alinhada com a jurisprudência
do STJ, a banca examinadora descumpriu o próprio edital.
Considerando
as particularidades deste caso, que o distinguem de recursos já julgados pelo
STJ, e o fato de a resposta do Recorrente estar em conformidade com precedente
obrigatório do STJ, faz-se necessária a intervenção judicial. Esta intervenção
visa resguardar a competência constitucional do STJ, garantir o cumprimento das
normas legais que regem o sistema brasileiro de precedentes e impedir a
violação da norma do edital que incluía a jurisprudência dos Tribunais
Superiores como objeto de avaliação no concurso.
Em suma:
A negativa de banca examinadora de concurso público
em atribuir pontuação a reposta formulada de acordo com precedente obrigatório
do STJ constitui flagrante ilegalidade.
STJ. 2ª Turma. RMS 73.285-RS, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado
em 11/6/2024 (Info 816).
Desse modo, a Segunda Turma do
STJ, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso ordinário para
determinar à Autoridade impetrada que atribua à Recorrente a pontuação relativa
ao item III.2 do espelho de correção da prova prática de sentença cível,
promovendo-se a republicação dos resultados finais e as consequências jurídicas
dele decorrentes, posicionando a candidata na lista de antiguidade, respeitando
a reclassificação.