Dizer o Direito

quinta-feira, 11 de julho de 2024

A negativa de banca examinadora de concurso público em atribuir pontuação a reposta formulada de acordo com precedente obrigatório do STJ constitui flagrante ilegalidade

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Juliana inscreveu-se no concurso para Juiz de Direito.

Ela foi aprovada na primeira fase do certame e, portanto, realizou a segunda fase, composta por prova discursiva e provas práticas de sentença (cível e criminal).

Juliana teve êxito na prova discursiva e na sentença criminal.

Contudo, ela foi reprovada na prova de sentença cível, considerando que obteve 5,61 pontos de nota, abaixo do mínimo de 6 pontos previsto no edital.

 

Mandado de segurança

Inconformada, Juliana impetrou mandado de segurança contra a banca examinadora.

Explicou, inicialmente, que sua pretensão não encontrava óbice no entendimento exarado pelo STF no RE 632.853 (Tema 485 – Judiciário não pode substituir a banca examinadora). Isso porque, no caso concreto, houve flagrante violação ao princípio da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade, isonomia e segurança jurídica.

Quanto ao mérito, alegou que a sua resposta estava de acordo com precedente obrigatório do STJ (Tema 872/recurso repetitivo) e que, mesmo assim, esse argumento foi considerado incorreto.

Logo, a impetrante alegou que a banca examinadora praticou flagrante ilegalidade.

O Tribunal de Justiça denegou a segurança.

Juliana interpôs, então, recurso ordinário para o STJ insistindo na tese de que o espelho de correção da banca examinadora estava em confronto com precedente obrigatório do STJ.

Argumentou, ainda, que no edital do concurso havia previsão expressa de que seriam cobradas as jurisprudências das Cortes Superiores, sendo o Tema 872 do STJ o entendimento mais recente sobre o assunto.

Assim, a banca examinadora, não aplicar o precedente obrigatório no gabarito de correção, afrontou o edital do concurso.

 

O STJ concordou com os argumentos da impetrante/recorrente?

SIM. Os principais fundamentos do acórdão são os seguintes:

 

Bancas de concurso vs. Poder Judiciário

Compete à Administração Pública a escolha dos métodos e dos critérios para aferir a aptidão e o mérito dos candidatos nos concursos públicos destinados ao provimento de cargos públicos efetivos.

Por se tratar de atribuição própria da autoridade administrativa, deve-se ter especial deferência às decisões das bancas examinadoras constituídas para a dirigir esses certames.

Todavia, a deferência judicial ao papel desempenhado pelas bancas examinadoras e à discricionariedade inerente às funções por elas desempenhadas não significa que o Poder Judiciário não possa intervir em hipóteses de desrespeito flagrante à lei e aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

O STF, no julgamento do RE 632.853/CE (Tema 485), sob o regime da repercussão geral, firmou a compreensão de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade e inconstitucionalidade.” (RE 632.853/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/4/2015, DJe 29/6/2015).

Desse modo, o entendimento adotado pelo STF não afasta completamente o controle jurisdicional sobre os atos praticados pelas bancas examinadoras de concursos públicos, porém exige, para que seja lícito ao Poder Judiciário intervir nessa matéria, a presença de ilegalidade ou inconstitucionalidade flagrantes.

Nesse sentido:

(...) 1. O STF, ao julgar o RE n. 603.580-RG/RJ, firmou o entendimento de que "não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade" (Tema n. 485/STF).

2. Caracterizada a ilegalidade na atuação da banca, o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça está em consonância com a jurisprudência firmada pela Suprema Corte, motivo pelo qual a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário deve ser mantida. (...)

STJ. Corte Especial. AgInt no RE nos EDcl no AgInt no RMS 68.662/MS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/6/2023.

 

Comissão examinadora praticou ato ilícito e contrário ao edital ao negar pontuação à resposta da candidata mesmo estando de acordo com precedente obrigatório do STJ

A revisão judicial da atuação de bancas examinadoras em concursos públicos é permitida em casos de ilegalidade, especialmente quando há descumprimento das regras estabelecidas no edital. Estas regras vinculam tanto os candidatos quanto a Administração Pública. Por isso, o STJ admite a intervenção judicial para garantir o cumprimento das normas editalícias.

Embora a resposta dada pela candidata estivesse de acordo com a jurisprudência do STJ, a banca examinadora a considerou incorreta. Esta conduta da banca é passível de questionamento por inconstitucionalidade, ilegalidade e violação de norma do edital, justificando a intervenção judicial para corrigir a arbitrariedade administrativa.

A decisão da banca de não aplicar o entendimento consolidado do STJ sobre norma processual federal é inconstitucional, porque desrespeita a função institucional atribuída ao STJ pela Constituição Federal.

Além disso, o art. 927 do CPC/2015 estabeleceu um sistema de precedentes no direito processual brasileiro, tornando obrigatória a observância dos acórdãos proferidos pelo STJ em julgamentos de recursos especiais repetitivos. Portanto, a recusa da banca em aceitar uma resposta baseada em precedente obrigatório do STJ também configura ilegalidade.

Esta conduta também contraria o art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), que determina que as autoridades públicas devem agir para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas. É contrário à segurança jurídica e à boa-fé administrativa que uma banca examinadora de concurso público rejeite, em matéria de lei federal, a interpretação consolidada pelo órgão constitucionalmente responsável por uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional.

Por fim, o edital do concurso incluía explicitamente “Jurisprudência e Súmulas dos Tribunais Superiores (STJ e STF)” como objeto de avaliação em direito processual civil. Ao negar pontuação à resposta alinhada com a jurisprudência do STJ, a banca examinadora descumpriu o próprio edital.

Considerando as particularidades deste caso, que o distinguem de recursos já julgados pelo STJ, e o fato de a resposta do Recorrente estar em conformidade com precedente obrigatório do STJ, faz-se necessária a intervenção judicial. Esta intervenção visa resguardar a competência constitucional do STJ, garantir o cumprimento das normas legais que regem o sistema brasileiro de precedentes e impedir a violação da norma do edital que incluía a jurisprudência dos Tribunais Superiores como objeto de avaliação no concurso.

 

Em suma:

A negativa de banca examinadora de concurso público em atribuir pontuação a reposta formulada de acordo com precedente obrigatório do STJ constitui flagrante ilegalidade. 

STJ. 2ª Turma. RMS 73.285-RS, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 11/6/2024 (Info 816).

 

Desse modo, a Segunda Turma do STJ, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso ordinário para determinar à Autoridade impetrada que atribua à Recorrente a pontuação relativa ao item III.2 do espelho de correção da prova prática de sentença cível, promovendo-se a republicação dos resultados finais e as consequências jurídicas dele decorrentes, posicionando a candidata na lista de antiguidade, respeitando a reclassificação.


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