Pânico na Band
Havia um programa humorístico de
televisão chamado Pânico na Band.
O programa era conhecido por seu
formato irreverente e provocativo, com uma mistura de esquetes cômicas,
pegadinhas, entrevistas e sátiras de celebridades e políticos.
O programa possuía um histórico
de polêmicas. Isso porque, para muitos de seus críticos, alguns quadros
ultrapassavam os limites do humor e desbordavam para situações vexatórias e
humilhantes.
Um dos personagens mais famosos
do Pânico era o “Silvio”. Ele era uma paródia do famoso apresentador e
empresário Silvio Santos, dono do SBT. O personagem era interpretado pelo
humorista Wellington Muniz, também conhecido como Ceará.
Ceará fazia uma imitação caricata
e bem-humorada do jeito de falar, dos trejeitos e do estilo de apresentação de
Silvio Santos. Ele também usava uma dentadura postiça como parte de sua
caracterização.
Ação proposta por Silvio Santos contra a Band
Senor Abravanel, nome verdadeiro de Silvio Santos, ajuizou
ação cominatória cumulada com pedido de indenização por danos morais e
materiais contra a Band.
Ele argumentou que sua imagem estava sendo utilizada de
forma depreciativa, não autorizada e com finalidades comerciais no programa
Pânico.
O autor relatou que, no programa, era tratado de forma
depreciativa e desrespeitosa em uma mídia de alcance nacional, o que estaria
lhe causando “profundo constrangimento, aborrecimento e danos à sua imagem e ao
conceito no meio social”.
Requereu, além da indenização por danos materiais e
morais, a proibição de produção de conteúdo direcionado a ele.
Se tiver curiosidade, veja os pedidos que constaram na
petição inicial da ação:
“Em
face do exposto, requer a Vossa Excelência […] a final condenação da requerida
para se impor:
(a)
a proibição de seus profissionais de se aproximarem, com a intenção de
entrevista ou de captação de imagens do autor, de um raio de cem metros deste;
(b)
a abstenção no constrangimento do autor a participar de seus programas;
(c)
a abstenção de captar e exibir, por si, ou por cessão às emissoras que
integram a sua rede de televisão, de imagens e demais características pessoais
do autor, inclusive através de imitações e caricaturas, notadamente no que
envolva a exploração destas sem que haja prévia autorização deste;
(d)
a responsabilização por danos materiais e morais a que deu causa em razão da
exibição dos referidos programas;
(e)
as consequências dos ônus decorrentes do princípio processual da sucumbência.”
O juiz julgou parcialmente procedente o pedido condenado
a ré a pagar R$ 200 mil de danos morais.
A sentença foi, em grande parte, mantida pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo.
Ambas as partes interpuseram recurso especial.
Silvio Santos recorreu para que os demais pedidos da ação
fossem acolhidos.
A Band recorreu para que ficasse reconhecido que não
houve ofensa aos direitos da personalidade e, portanto, não há que se falar em
dano moral.
O que decidiu o STJ?
O STJ negou provimento ao recurso do Silvio Santos e deu
provimento ao recurso da Band, ou seja, afirmou que é indevida a indenização
por danos morais.
Fazer a paródia de uma pessoa é proibido?
NÃO. Na verdade, o art. 47 da Lei nº 9.610/98 permite o
direito de paródia:
Art. 47. São livres as paráfrases
e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe
implicarem descrédito.
De maneira similar, esse direito também
se estende à imitação intencional de comportamentos, caracterizando-se pela
reprodução de gestos e vozes típicos de personalidades conhecidas, geralmente
empregados com intenção cômica.
A imitação constitui
representação por meio da qual características - gestos e vozes - de
personalidade conhecida são reproduzidas e em geral utilizadas na seara da
comicidade. Portanto, a representação humorística que explora caraterísticas
pessoais de pessoa pública cujos traços individuais são imitados é tutelada
pelo direito à livre expressão.
Diferentemente da liberdade de
manifestação do pensamento assegurada à imprensa para divulgação de fatos, a
paródia pode adotar um tom exagerado ou satírico.
Registre-se que, na ADI 4.815/DF,
publicada em 10/6/2015, o STF deu interpretação ao art. 20 do Código Civil
conforme à Constituição Federal e afirmou que:
É inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente
a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária a
autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes ou de familiares, em caso
de pessoas falecidas ou ausentes.
Caso o biografado ou qualquer outra pessoa retratada na
biografia entenda que seus direitos foram violados pela publicação, terá
direito à reparação, que poderá ser feita não apenas por meio de indenização
pecuniária, como também por outras formas, tais como a publicação de ressalva,
de nova edição com correção, de direito de resposta etc.
STF. Plenário. ADI 4815/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
10/6/2015 (Info 789).
Nesse sentido, desde que não haja
violação da privacidade ou da intimidade do indivíduo parodiado, não há que se
falar em ofensa aos direitos da personalidade pelo simples fato de ele ser
objeto de paródia.
Ademais, não deve ser admitida a
censura prévia especialmente para obstar o exercício da livre expressão
artística, tal como aquela promovida por imitador cômico.
Ressalte-se, ainda, que não é viável obrigar a demandada
a não ofender ou mesmo se aproximar do demandante, pois o deferimento do pedido
de tutela inibitória configuraria censura prévia. A propósito, já afirmou o STJ
que:
A concessão de tutela inibitória para o fim de impor ao réu a
obrigação de não ofender a honra subjetiva e a imagem do autor se mostra
impossível, dada a sua subjetividade, impossibilitando a definição de
parâmetros objetivos aptos a determinar os limites da conduta a ser observada.
Na prática, estará se embargando o direito do réu de manifestar
livremente o seu pensamento, impingindo-lhe um conflito interno sobre o que
pode e o que não pode ser dito sobre o autor, uma espécie de autocensura que
certamente o inibirá nas críticas e comentários que for tecer.
Assim como a honra e a imagem, as liberdades de pensamento,
criação, expressão e informação também constituem direitos de personalidade,
previstos no art. 220 da CF/1988.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.388.994/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 19/9/2013.
Em suma:
Desde que não ultrapassados os limites relativos à
privacidade ou à intimidade daquele, cujas características são evidenciadas por
meio de representação de caráter humorístico, não há falar em ofensa aos
direitos da personalidade e, consequentemente, em dano moral indenizável.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.678.441-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
16/5/2024 (Info 815).