Estado-membro não aplicou
corretamente a correção dos vencimentos no Plano Real
Regina é servidora pública do Estado
do Maranhão (professora).
Durante a implementação do Plano
Real, os vencimentos dos servidores públicos, inclusive o de Regina, foram
convertidos de Cruzeiro Real (antiga moeda) para o Real, na forma da MP 434/94,
posteriormente convertida na Lei nº 8.880/94. De acordo com essa Lei, os
vencimentos dos servidores públicos deveriam ter sido corrigidos em 25,24%.
Ocorre que o Estado do Maranhão,
assim como outros entes federativos, implementou a correção em um índice menor
(apenas 22,07%), ou seja, 3,17% menor do que os servidores tinham direito.
Sindicato ajuizou ação
coletiva
Em razão desses fatos, o Sindicato
dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado do Maranhão – SINTSEP, na
condição de substituto processual, ingressou com ação coletiva, objetivando a implementação da correção (3,17%),
bem como o pagamento dos valores retroativos.
O pedido foi julgado procedente,
sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça.
Nem a sentença nem o acórdão foram
expressos quanto ao alcance da decisão. Houve apenas a determinação genérica no
sentido de que o reajuste fosse aplicado aos servidores públicos estaduais.
Liquidação do julgado
Passo seguinte, iniciou-se a liquidação do julgado.
Regina requereu também a liquidação
e, na planilha apresentada pela Contadoria Judicial, constou o seu nome como
uma das beneficiárias, ao lado de inúmeros outros servidores.
Na sequência, Regina iniciou a
fase de cumprimento de sentença,
objetivando receber a quantia de R$ 51.841,98.
Juiz extinguiu a execução por ilegitimidade ativa
Conclusos os autos, o juiz julgou liminarmente extinta a execução, por ilegitimidade ativa.
Segundo o magistrado, para cada
categoria deve haver um sindicato específico (não pode ser mais de um).
No caso, a ação coletiva foi
movida pelo SINTSEP, que engloba todos os servidores públicos estaduais que não
integram um sindicato específico.
Os trabalhadores da educação
básica do Estado do Maranhão, por sua vez, são representados por outro
sindicato, o SINPROESSEMA.
Assim, como Regina era professora
da educação básica, ela seria representada pelo SIMPROESSEMA, e não pelo SINTSEP.
Logo, Regina estaria excluída do
rol de beneficiários da ação coletiva.
A sentença foi mantida pelo TJ.
O STJ concordou com esse entendimento do juiz e do TJ?
NÃO.
A legitimidade de Regina já foi resolvida na liquidação da sentença
A exequente participou da
liquidação coletiva da ação na qual foi produzido o título em desfavor do
executado. Logo, não se pode falar em sua ilegitimidade ativa considerando que
a questão se encontra coberta pelo manto da coisa julgada. Na liquidação
coletiva não se discute apenas o quantum debeatur (o quanto devido), mas
também o cui debeatur (a quem é devido), ocasião em que deveria ter sido
debatida a legitimidade da parte liquidante.
Conforme abalizada doutrina:
“No caso da
decisão coletiva que envolva direitos individuais homogêneos, não se busca
somente definir o quantum debeatur, mas, também, procura-se identificar quem
são os titulares do direito, ou seja, as vítimas dos danos causados. Por isto,
afirma-se que no âmbito coletivo há liquidação imprópria ou sui generis"
(GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. Defensoria Pública e a tutela coletiva de
direitos: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: JusPodivm, 2024).”
Sindicato atuou como
substituto processual
A legitimidade dos sindicatos é
ampla e não depende de autorização dos substituídos:
Os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária para
defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos
integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções
de sentença, independentemente de autorização dos substituídos.
STF. Plenário. RE 883.642/AL, Rel. Ministro Presidente, julgado
em 18/06/2015 (Repercussão Geral - Tema 823).
Assim, se o sindicato ajuizar
ação coletiva em favor dos integrantes daquela determinada categoria, este
sindicato atua como substituto processual (em nome próprio defende direito
alheio) e ele não precisa juntar uma lista com a relação dos substituídos:
Na hipótese em que sindicato atue como substituto processual em
ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, não é
necessário que a causa de pedir, na primeira fase cognitiva, contemple
descrição pormenorizada das situações individuais de todos os substituídos.
STJ. 2ª Turma. REsp 1395875-PE, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 20/2/2014 (Info 538).
Princípio da unicidade sindical – inaplicabilidade ao presente caso
Do direito do trabalho, colhe-se
que a categoria profissional, como ponto de junção institucional dos
trabalhadores em torno do sindicato, é constituída, em relação ao enquadramento
sindical, pela “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho
em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades
econômicas similares ou conexas” (art. 511, § 2º, CLT).
As regras da unicidade e
especificidade sindicais (art. 570 da CLT) não são argumento suficiente para
impedir a execução individual de título judicial formado por sindicato que
abrange a generalidade da categoria substituída. Isso porque aquele instituto
do direito do trabalho não influi neste do processo civil, mais especificamente
do processo coletivo, por possuírem razões jurídicas distintas de ser e existir.
Limitação subjetiva da coisa julgada x caso concreto
O caso concreto envolve a execução
individual advinda de título proferido em ação coletiva em que não houve a
limitação subjetiva da coisa julgada apenas aos integrantes do sindicato
promovente.
Pela simples leitura da sentença
e do acórdão originários, percebe-se que o reajuste salarial foi concedido a
todos os servidores públicos estaduais, e não somente a uma classe específica
de profissionais.
Logo, seria inviável restringir
os efeitos da decisão apenas aos filiados à mesma entidade sindical promotora
do litígio coletivo – no caso, dos servidores públicos estaduais –, ainda mais
quando o Estado reconheceu, na fase de liquidação, o direito da recorrente
sindicalizada em categoria abrangida por aquela – na espécie, do magistério estadual
–, em homenagem aos princípios do máximo benefício da coisa julgada coletiva e
da máxima efetividade do processo coletivo.
A jurisprudência do STJ está
sedimentada no sentido de que os sindicatos, na qualidade de substitutos
processuais, têm ampla legitimidade extraordinária para atuar judicialmente na
defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, estejam
eles nominados ou não em listagem, seja para promover a ação de conhecimento ou
mesmo a execução do julgado.
Portanto, caso a sentença
coletiva não tenha uma delimitação expressa dos seus limites subjetivos,
especificando os beneficiários do título executivo judicial, a coisa julgada
advinda da ação coletiva deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela
categoria profissional, e não apenas pelos seus filiados, podendo, ainda, ser
aproveitada por trabalhadores vinculados a outro ente sindical, desde que
contidos no universo daquele mais abrangente.
Em suma:
Caso a sentença coletiva não tenha uma delimitação
expressa dos seus limites subjetivos, especificando os beneficiários do título
executivo judicial, a coisa julgada advinda da ação coletiva proposta por
sindicato deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela categoria
profissional, e não apenas os seus filiados.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.399.352-MA, Rel. Min. Teodoro Silva
Santos, julgado em 23/4/2024 (Info 812).