terça-feira, 18 de junho de 2024

Sentença coletiva beneficiou todos os servidores públicos estaduais indistintamente; não é possível, na execução individual, querer restringir a apenas aos servidores filiados diretamente a esse sindicato

Estado-membro não aplicou corretamente a correção dos vencimentos no Plano Real

Regina é servidora pública do Estado do Maranhão (professora).

Durante a implementação do Plano Real, os vencimentos dos servidores públicos, inclusive o de Regina, foram convertidos de Cruzeiro Real (antiga moeda) para o Real, na forma da MP 434/94, posteriormente convertida na Lei nº 8.880/94. De acordo com essa Lei, os vencimentos dos servidores públicos deveriam ter sido corrigidos em 25,24%.

Ocorre que o Estado do Maranhão, assim como outros entes federativos, implementou a correção em um índice menor (apenas 22,07%), ou seja, 3,17% menor do que os servidores tinham direito.

 

Sindicato ajuizou ação coletiva

Em razão desses fatos, o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado do Maranhão – SINTSEP, na condição de substituto processual, ingressou com ação coletiva, objetivando a implementação da correção (3,17%), bem como o pagamento dos valores retroativos.

O pedido foi julgado procedente, sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça.

Nem a sentença nem o acórdão foram expressos quanto ao alcance da decisão. Houve apenas a determinação genérica no sentido de que o reajuste fosse aplicado aos servidores públicos estaduais.

 

Liquidação do julgado

Passo seguinte, iniciou-se a liquidação do julgado.

Regina requereu também a liquidação e, na planilha apresentada pela Contadoria Judicial, constou o seu nome como uma das beneficiárias, ao lado de inúmeros outros servidores.

Na sequência, Regina iniciou a fase de cumprimento de sentença, objetivando receber a quantia de R$ 51.841,98.

 

Juiz extinguiu a execução por ilegitimidade ativa

Conclusos os autos, o juiz julgou liminarmente extinta a execução, por ilegitimidade ativa.

Segundo o magistrado, para cada categoria deve haver um sindicato específico (não pode ser mais de um).

No caso, a ação coletiva foi movida pelo SINTSEP, que engloba todos os servidores públicos estaduais que não integram um sindicato específico.

Os trabalhadores da educação básica do Estado do Maranhão, por sua vez, são representados por outro sindicato, o SINPROESSEMA.

Assim, como Regina era professora da educação básica, ela seria representada pelo SIMPROESSEMA, e não pelo SINTSEP.

Logo, Regina estaria excluída do rol de beneficiários da ação coletiva.

A sentença foi mantida pelo TJ.

 

O STJ concordou com esse entendimento do juiz e do TJ?

NÃO.

 

A legitimidade de Regina já foi resolvida na liquidação da sentença

A exequente participou da liquidação coletiva da ação na qual foi produzido o título em desfavor do executado. Logo, não se pode falar em sua ilegitimidade ativa considerando que a questão se encontra coberta pelo manto da coisa julgada. Na liquidação coletiva não se discute apenas o quantum debeatur (o quanto devido), mas também o cui debeatur (a quem é devido), ocasião em que deveria ter sido debatida a legitimidade da parte liquidante.

Conforme abalizada doutrina:

“No caso da decisão coletiva que envolva direitos individuais homogêneos, não se busca somente definir o quantum debeatur, mas, também, procura-se identificar quem são os titulares do direito, ou seja, as vítimas dos danos causados. Por isto, afirma-se que no âmbito coletivo há liquidação imprópria ou sui generis" (GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. Defensoria Pública e a tutela coletiva de direitos: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: JusPodivm, 2024).”

 

Sindicato atuou como substituto processual

A legitimidade dos sindicatos é ampla e não depende de autorização dos substituídos:

Os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos.

STF. Plenário. RE 883.642/AL, Rel. Ministro Presidente, julgado em 18/06/2015 (Repercussão Geral - Tema 823).

 

Assim, se o sindicato ajuizar ação coletiva em favor dos integrantes daquela determinada categoria, este sindicato atua como substituto processual (em nome próprio defende direito alheio) e ele não precisa juntar uma lista com a relação dos substituídos:

Na hipótese em que sindicato atue como substituto processual em ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, não é necessário que a causa de pedir, na primeira fase cognitiva, contemple descrição pormenorizada das situações individuais de todos os substituídos.

STJ. 2ª Turma. REsp 1395875-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/2/2014 (Info 538).

 

Princípio da unicidade sindical – inaplicabilidade ao presente caso

Do direito do trabalho, colhe-se que a categoria profissional, como ponto de junção institucional dos trabalhadores em torno do sindicato, é constituída, em relação ao enquadramento sindical, pela “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas” (art. 511, § 2º, CLT).

As regras da unicidade e especificidade sindicais (art. 570 da CLT) não são argumento suficiente para impedir a execução individual de título judicial formado por sindicato que abrange a generalidade da categoria substituída. Isso porque aquele instituto do direito do trabalho não influi neste do processo civil, mais especificamente do processo coletivo, por possuírem razões jurídicas distintas de ser e existir.

 

Limitação subjetiva da coisa julgada x caso concreto

O caso concreto envolve a execução individual advinda de título proferido em ação coletiva em que não houve a limitação subjetiva da coisa julgada apenas aos integrantes do sindicato promovente.

Pela simples leitura da sentença e do acórdão originários, percebe-se que o reajuste salarial foi concedido a todos os servidores públicos estaduais, e não somente a uma classe específica de profissionais.

Logo, seria inviável restringir os efeitos da decisão apenas aos filiados à mesma entidade sindical promotora do litígio coletivo – no caso, dos servidores públicos estaduais –, ainda mais quando o Estado reconheceu, na fase de liquidação, o direito da recorrente sindicalizada em categoria abrangida por aquela – na espécie, do magistério estadual –, em homenagem aos princípios do máximo benefício da coisa julgada coletiva e da máxima efetividade do processo coletivo.

A jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que os sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, têm ampla legitimidade extraordinária para atuar judicialmente na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, estejam eles nominados ou não em listagem, seja para promover a ação de conhecimento ou mesmo a execução do julgado.

Portanto, caso a sentença coletiva não tenha uma delimitação expressa dos seus limites subjetivos, especificando os beneficiários do título executivo judicial, a coisa julgada advinda da ação coletiva deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela categoria profissional, e não apenas pelos seus filiados, podendo, ainda, ser aproveitada por trabalhadores vinculados a outro ente sindical, desde que contidos no universo daquele mais abrangente.

 

Em suma:

Caso a sentença coletiva não tenha uma delimitação expressa dos seus limites subjetivos, especificando os beneficiários do título executivo judicial, a coisa julgada advinda da ação coletiva proposta por sindicato deve alcançar todas as pessoas abrangidas pela categoria profissional, e não apenas os seus filiados. 

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.399.352-MA, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 23/4/2024 (Info 812).

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