quarta-feira, 19 de junho de 2024
Se a exceção de pré-executividade for acolhida unicamente para excluir sócio do polo passivo de execução fiscal, os honorários advocatícios serão fixados por meio de apreciação equitativa
Imagine a seguinte situação hipotética:
A Fazenda Nacional ajuizou
execução fiscal contra a empresa JP Ltda e seus sócios Jorge e Paulo cobrando
uma suposta dívida de R$ 900 mil.
Paulo apresentou exceção de
pré-executividade arguindo unicamente a sua ilegitimidade passiva para figurar
na execução, considerando que não figura como responsável na Certidão de Dívida
Ativa (CDA).
Súmula 393-STJ: A exceção de pré-executividade é admissível na
execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não
demandem dilação probatória.
O que é uma exceção de
pré-executividade?
A exceção de
pré-executividade é uma forma de defesa do executado que, por meio de uma
simples petição, alega ao juízo da execução matérias que podem ser provadas
documentalmente, não necessitando de outras provas.
Fredie Didier explica que, quando
a exceção de pré-executividade foi idealizada, ela somente servia
para alegar matérias que pudessem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Contudo,
com o tempo, a doutrina e a jurisprudência passaram a aceitá-la mesmo quando a
matéria deduzida não fosse de ordem pública (cognoscível de ofício), desde que
houvesse prova pré-constituída da alegação feita pelo executado.
Assim, segundo informa o autor
baiano, o critério passou a ser o seguinte: qualquer alegação de defesa pode
ser veiculada por meio de exceção de pré-executividade, desde que possa
ser comprovada por prova pré-constituída (DIDIER JR., Fredie; et. al. Curso
de Direito Processual Civil. Vol. 5. Execução. Salvador: Juspodivm, 2013,
p. 403).
Nas palavras da Min. Assussete Magalhães:
“Construção
doutrinária e jurisprudencial, a Exceção de Pré-Executividade consiste em meio
de defesa do executado, tal qual os Embargos à Execução. Difere deste último,
sobretudo, pelo objeto: enquanto os Embargos à Execução podem envolver qualquer
matéria, a Exceção de Pré-Executividade limita-se a versar sobre questões
cognoscíveis ex officio, que não demandem dilação probatória.”
A terminologia “exceção de
pré-executividade”, apesar de ser bastante conhecida e utilizada nos julgados
do STJ, é criticada por alguns autores. Assim, você pode encontrar em alguns
livros esta defesa sendo chamada de “objeção de pré-executividade”, “objeção de
não-executividade” ou “exceção de não-executividade”.
Voltando ao nosso exemplo:
O juiz acolheu a alegação de Paulo
e o excluiu do polo passivo da execução fiscal, mantendo, contudo, a tramitação
do processo contra a empresa e o outro sócio Jorge.
Cabe a condenação da
Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios?
SIM.
É possível a fixação de honorários advocatícios, em exceção de
pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução
fiscal, que não é extinta.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.764.405/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães,
julgado em 10/03/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 961) (Info 688).
A exceção de pré-executividade é
um ato postulatório. Isso significa que, para o executado oferecer esse meio de
defesa, ele precisará contratar um advogado regularmente inscrito nos quadros
da OAB.
Logo, se a exceção de
pré-executividade for acolhida para excluir o excipiente, o advogado do
executado excluído precisa ser remunerado pelo seu trabalho, ainda que a
execução fiscal não seja extinta. Trata-se de aplicação do princípio da causalidade,
segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as
despesas dele decorrentes (STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1.180.908/MG, Rel. Min. Luiz
Fux, DJe de 25/08/2010).
O Fisco deu causa à instauração
indevida do processo contra o sócio posteriormente excluído, de forma que o
exequente deve ser condenado a pagar os respectivos honorários advocatícios.
Tal foi o raciocínio que presidiu
a edição da Súmula 153 do STJ: “A desistência da execução fiscal, após o
oferecimento dos embargos não exime o exequente dos encargos da sucumbência”.
No mesmo sentido:
Jurisprudência em Teses (ed. 52)
Tese 5: É cabível a fixação de honorários de sucumbência quando
a exceção de pré-executividade for acolhida para extinguir total ou
parcialmente a execução fiscal.
Qual será o critério para
calcular os honorários? Se a exceção de pré-executividade for acolhida para
excluir sócio do polo passivo de execução fiscal, como serão calculados os
honorários advocatícios?
Por equidade, na forma do art. 85, § 8º, do CPC:
Art. 85 (...)
§ 8º Nas causas em que for inestimável
ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito
baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa,
observando o disposto nos incisos do § 2º.
Não há como se estimar o
proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional
Nos casos em que a exceção de
pré-executividade visar, tão somente, à exclusão do excipiente do polo passivo
da execução fiscal, sem impugnar o crédito executado, os honorários
advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos moldes do art.
85, § 8º, do CPC/2015. Isso porque, neste caso, não há como se estimar o
proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional.
A depender dos motivos que
autorizam a exclusão de sócio do polo passivo da execução, não haveria que se
falar em proveito econômico imediato na exclusão, mas tão somente postergação
de eventual pagamento de parte do débito.
Ademais, é necessário considerar
que, mesmo em dívidas de valor elevado, o devedor não seria afetado além do
limite do seu patrimônio expropriável, o que também afeta a aferição do
proveito econômico.
Uma linha de argumentação
invocada pelos advogados foi a de considerar que o valor do proveito econômico
poderia ser obtido pela divisão do valor da execução pelo número de
coexecutados. Em nosso exemplo, seria dividir 900 mil por três, chegando ao
valor de 300 mil. Assim, o proveito econômico obtido por Paulo seria 300 mil,
sendo essa a base de cálculo dos honorários. Essa tese foi acolhida pelo STJ?
NÃO. A saída considerada de
calcular-se o valor do proveito econômico a partir da divisão do valor total da
dívida executada pelo número de coexecutados, considerando-se a
responsabilidade por fração ideal da dívida, não merece acolhida. Isso porque a
fórmula não releva contornos objetivos seguros nem possibilidade de
universalização sem distorções proporcionais, especialmente porque, em diversas
circunstâncias, há redirecionamento posterior da execução em relação a outras
pessoas jurídicas pertencentes a um mesmo grupo econômico, ou outros sócios,
não sendo absoluto ou definitivo o número total de coexecutados existente no
início da execução fiscal.
Fazenda exequente poderia
ser condenada a pagar um somatório exorbitante em uma só execução
Não se pode admitir, em tais
hipóteses, que a fixação dos honorários seja feita com base em percentual
incidente sobre o valor da causa, sob pena de impor a Fazenda Pública custos
exorbitantes decorrentes da execução fiscal.
Em processos complexos que envolvem
diversas pessoas físicas e jurídicas por múltiplas hipóteses de
redirecionamento de execução fiscal, cogitar-se da possibilidade de que a
Fazenda Nacional seja obrigada a arcar com honorários de cada excluído com base
no valor total da causa implicaria exorbitante multiplicação indevida dos
custos da execução fiscal. Isso porque o crédito continua exigível, em sua
totalidade, do devedor principal ou outros responsáveis.
A depender das circunstâncias do
caso concreto, a Fazenda Pública poderia se ver obrigada a pagar honorários
múltiplas vezes, sobre um mesmo valor de causa, revelando-se inadequado bis in
idem e impondo barreiras excessivas, ou mesmo inviabilizando, sob o ponto de
vista do proveito útil do processo, a perseguição de créditos públicos pela
Procuradoria da Fazenda Nacional.
Mesmo raciocínio do Tema
961
No julgamento do recurso
representativo da controvérsia no Tema 961/STJ - REsp n. 1.358.837/SP, da
relatoria Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021,
DJe de 29/3/2021 - no qual definiu-se a tese de que “Observado o princípio da
causalidade, é cabível a fixação de honorários advocatícios, em exceção de
pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução
fiscal, que não é extinta”, constou, das razões de decidir, que o arbitramento
dos honorários, a partir da extinção parcial da execução, seria determinado com
base no critério de equidade.
Em suma:
Nos casos em que a exceção de pré-executividade
visar, tão somente, à exclusão do excipiente do polo passivo da execução
fiscal, sem impugnar o crédito executado, os honorários advocatícios deverão
ser fixados por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, § 8º, do
CPC/2015, por não ser possível se estimar o proveito econômico obtido com o
provimento jurisdicional.
STJ. 1ª Seção.
EREsp 1.880.560-RN, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 24/4/2024 (Info
812).
A decisão acima explicada (EREsp
1.880.560-RN) afronta o entendimento fixado pelo STJ no Tema 1.076?
NÃO. No Tema 1.076, o STJ fixou a
seguinte tese:
I) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é
permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da
demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos
percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da
presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente
calculados sobre o valor:
a) da condenação; ou
b) do proveito econômico obtido; ou
c) do valor atualizado da causa.
II) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade
quando, havendo ou não condenação:
a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou
irrisório; ou
b) o valor da causa for muito baixo.
STJ. Corte Especial. REsp 1850512-SP, Rel. Min. Og Fernandes,
julgado em 16/03/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1076) (Info 730).
Conforme se observa pela tese
acima fixada, deve-se arbitrar os honorários por meio de equidade quando o
proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável (item II, a).
Para o STJ, se o juiz exclui apenas um dos coexecutados, não
há proveito econômico estimável. Logo, é autorizado o arbitramento dos
honorários mediante equidade. Confira as palavras do Relator:
“Não há que se
falar em inobservância da tese firmada no Tema 1076/STJ dos recursos
repetitivos, sendo a questão aqui definida - caráter inestimável do proveito
econômico decorrente da exclusão de coexecutado do polo passivo da execução
fiscal - compatível com a conclusão alcançada no citado precedente qualificado,
segunda parte, na qual se determinou que devem ser fixados por equidade os
honorários nos casos em que o proveito econômico obtido pelo vencedor for
inestimável.”