sábado, 15 de junho de 2024
O valor pago a título de gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito de faturamento, receita bruta ou lucro para fins de apuração tributária
O que é o Simples Nacional?
O Simples Nacional é um regime unificado de
arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, aplicável às microempresas e
empresas de pequeno porte, estando previsto na Lei Complementar nº 123/2006.
A empresa que aderir ao Simples desfruta da
vantagem de recolher quase todos os tributos (federais, estaduais e municipais)
mediante um único pagamento, calculado sobre um percentual de sua receita
bruta.
O objetivo do Simples é fazer com que as
microempresas e empresas de pequeno porte tenham um regime jurídico
simplificado e favorecido, com menos burocracia e menor carga tributária.
O tratamento diferenciado para microempresas e
empresas de pequeno porte é um mandamento constitucional, previsto no art. 146,
III, “d”, art. 170, IX e art. 179, da CF/88.
A inclusão do contribuinte na sistemática do
Simples Nacional exige o preenchimento de determinadas condições listadas no
art. 17 da LC 123/2006.
Qual é a base de cálculo do
Simples?
O Simples Nacional é calculado com base na
receita bruta da empresa.
Aplica-se determinada alíquota (ex: 7,30%)
sobre a receita bruta da empresa.
O percentual da alíquota aplicável dependerá
do setor econômico e da faixa de receita bruta.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Alfa
Pizzaria Ltda é uma empresa de pequeno porte optante do Simples Nacional.
Quando os clientes
fazem refeição na pizzaria, eles normalmente pagam a gorjeta de 10% sobre o
valor total dos produtos consumidos no estabelecimento. A gorjeta também é
chamada de taxa de serviço e encontra-se disciplinada no art. 457, § 3º, da
CLT:
Art.
457 (...)
§
3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente
ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou
adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados.
(Redação dada pela Lei nº 13.419, de 2017)
A
pizzaria contabiliza as gorjetas pagas e, no final do mês, redireciona a
quantia aos seus empregados.
Suponhamos
que os valores pagos pelos clientes para a pizzaria totalizaram o montante
fictício de 100. Ocorre que desses 100, 10 foram apenas gorjetas. Isso
significa que a pizzaria ficará com 90 e repassará 10 diretamente para os
funcionários.
Indaga-se:
quando a pizzaria for recolher o Simples, deverá pagar a alíquota sobre 100 ou
sobre 90? Para o STJ, as gorjetas integram a base de cálculo do Simples
Nacional?
NÃO.
De acordo com o art. 18, § 3º, da LC 123/2006, a tributação unificada “Simples
Nacional” tem como base de cálculo a receita bruta da microempresa ou empresa
de pequeno porte optante (“Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a
alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste
artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma
regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa
opção irretratável para todo o ano-calendário”).
Já
o art. 3º, § 1º, dessa norma traz o conceito de receita bruta e dispõe que se
considera “receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o
produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos
serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas
as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos”.
O STJ adotou o entendimento de que o valor pago a
título de gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito
de faturamento, receita bruta ou lucro para fins de apuração tributária. Nesse
sentido:
A interpretação do
art. 457, § 3º, da CLT nos faz concluir que a gorjeta, compulsória ou inserida
na nota de serviço, tem natureza salarial, compondo a remuneração do empregado.
Assim, não se trata de renda, lucro ou receita bruta/faturamento da empresa.
As gorjetas
representam apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser repassado ao
empregado, não implicando incremento no patrimônio da empresa, razão pela qual
deve sofrer a aplicação apenas de tributos e contribuições que incidem sobre o
salário.
Por esses motivos,
afigura-se ilegítima a exigência do recolhimento do PIS, COFINS, IRPJ e CSLL
sobre a referida taxa de serviço. Do mesmo modo e pelas mesmas razões, não há
que se falar em inclusão das gorjetas na base de cálculo do regime fiscal
denominado “Simples Nacional”, que incide sobre a receita bruta na forma do
art. 18, § 3º, da LC 123/2006.
STJ. 2ª Turma. AREsp
2.381.899-SC, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, julgado em 17/10/2023 (Info 794).
Dessa
forma, considerando o conceito de receita bruta explicitado na LC 123/2006, não
se vislumbra nenhuma possibilidade de considerar a gorjeta como produto de
venda, preço de serviço prestado ou resultado nas operações em conta alheia,
pois, de acordo com o entendimento do STJ, a gorjeta tem natureza salarial, ou
seja, compõe o salário do empregado. Assim, a referida verba não deve integrar
a receita bruta para fins de cálculo do Simples Nacional.
Em suma:
O valor pago a título de gorjetas, ante a sua
natureza salarial, não pode integrar o conceito de faturamento, receita bruta
ou lucro para fins de apuração tributária.
STJ. 1ª
Turma. AgInt no AREsp 1.846.725-PI, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
8/4/2024 (Info 811).