NOÇÕES GERAIS SOBRE O EXAME CRIMINOLÓGICO
O que é exame criminológico?
Trata-se de um exame
- feito no condenado
- por um profissional
- com o objetivo de verificar
- se este apenado tem aptidão
física e psíquica para progredir de regime.
A doutrina afirma que se trata
de um exame de cunho biopsicossocial do criminoso, a fim de formar um
diagnóstico de sua personalidade e, assim, obter um prognóstico criminal.
Desse modo, tem por objetivo
detalhar a personalidade do delinquente, sua imputabilidade ou não, o teor de
sua periculosidade, a sensibilidade à pena e a probabilidade de sua correção
(PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual
esquemático de criminologia. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).
A partir disso, o exame
criminológico fornece subsídios para o magistrado decidir se deve ou não
conceder a progressão de regime.
Breve histórico do exame
criminológico na legislação
Redação original da LEP:
O art. 112 da Lei de Execuções
Penais, em sua redação original, mencionava expressamente o exame criminológico
para a progressão de regime.
Veja a redação que perdurou de 1984 a 2003:
Art. 112. (...)
Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da
Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando
necessário.
Lei 10.792/2003:
A Lei nº 10.792/2003 alterou esse art. 112 e deixou de mencionar
a possibilidade de exigir exame criminológico. Veja como ficou a redação do
art. 112 após a Lei nº 10.792/2003:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma
progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada
pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada
pela Lei nº 10.792, de 2003)
Mesmo após a Lei nº 10.792/2003
continuou sendo possível exigir o exame criminológico?
SIM. A jurisprudência se firmou
no sentido de que, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, o exame criminológico ainda
poderia ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entendesse
que a perícia era absolutamente necessária para a formação de seu
convencimento.
Em suma, a Lei nº 10.792/2003
não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização do exame
criminológico, que ainda poderia ser feito para a aferição da personalidade e
do grau de periculosidade do sentenciado.
Nesse sentido, em 28/04/2010, o
STJ aprovou o seguinte enunciado espelhando essa conclusão:
Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas
peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
Há também uma súmula do STF, aprovada
em 16/12/2009, que indica a possibilidade da realização do exame criminológico:
Súmula vinculante 26: Para efeito de progressão de regime de
cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de
marco de 2007, o juiz da execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º,
parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da Lei de Execuções Penais,
na redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os
requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim,
de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Assim, mesmo após a Lei nº
10.792/2003, continuou sendo possível que o juiz negasse a progressão de regime
com base no exame criminológico:
Esta Corte possui o entendimento de que o resultado desfavorável
de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta
de requisito subjetivo.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC n. 870.417/SP, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 5/12/2023.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC n. 848.737/SP, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 2/10/2023.
Lei nº 14.843/2024
O exame criminológico passou a ser obrigatório para que o apenado
tenha direito à progressão de regime.
Veja abaixo a exigência feita pela Lei nº 14.843/2024 no que tange ao
exame criminológico:
TÍTULO V - Da Execução das Penas em Espécie CAPÍTULO I - Das Penas Privativas de Liberdade SEÇÃO II - Dos Regimes |
|
Antes da
Lei 14.843/2024 |
Depois da
Lei 14.843/2024 |
Art. 112.
(...) § 1º Em
todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar
boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento,
respeitadas as normas que vedam a progressão. |
Art. 112.
(...) § 1º Em
todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se
ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as
normas que vedam a progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023) |
Art. 114.
Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: (...) II -
apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi
submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e
senso de responsabilidade, ao novo regime. |
Art. 114.
Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: (...) II -
apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se,
com autodisciplina, baixa periculosidade e
senso de responsabilidade, ao novo regime. (redação dada Lei nº 14.843/2023) |
Vale ressaltar que é extremamente provável que a jurisprudência
mitigue essa obrigatoriedade do exame criminológico. Em diversas comarcas do
interior do país será muito difícil a realização do exame e, certamente, os
juízes e tribunais irão relativizar a exigência e conceder a progressão mesmo
sem esses resultados.
Como fica agora a súmula 439 do STJ?
Fica superada, em parte.
A súmula dizia que o juiz
somente poderia exigir o exame criminológico se houvesse necessidade diante das
peculiaridades do caso concreto, devendo, para isso, prolatar decisão
fundamentada.
Com a Lei nº 14.843/2024, o
juiz deverá exigir o exame criminológico em todas as situações de progressão de
regime e, somente se for dispensar o exame, é que deverá fundamentar essa
excepcionalidade com base nas peculiaridades do caso.
EXPLICAÇÃO DO JULGADO (OCORRIDO ANTES DA LEI 14.843/2024)
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro cumpria pena no regime
fechado e alcançou o lapso temporal necessário para progredir para o regime
semiaberto.
A defesa formulou o pedido de
progressão e, para tanto, juntou o atestado de bom comportamento carcerário favorável.
O juízo da execução, antes de decidir sobre o pedido,
entendeu imprescindível a submissão do apenado a exame criminológico. Segundo
argumentou o magistrado:
“O sentenciado
registra SEIS condenações, além de ter praticado, durante o cumprimento da pena
privativa de liberdade em regime prisional aberto, falta disciplinar de
natureza grave, tudo a indicar, portanto, que faz da criminalidade o seu
habitual modo de vida e, por conseguinte, periculosidade social invulgar, bem
como ausência de autodisciplina e senso de responsabilidade, o que, por si só,
legitima a providência acima alvitrada [exame criminológico].”
Concluído o exame criminológico,
o relatório psicológico foi desfavorável ao apenado.
Diante disso, o juiz indeferiu o
pedido de progressão argumentando que o requisito subjetivo não restou preenchido.
O condenado interpôs agravo em
execução para o TJSP, mas o recurso foi desprovido.
A defesa impetrou então habeas
corpus perante o STJ insistindo que, mesmo com o exame criminológico
desfavorável, deveria ser concedida a progressão.
O STJ concordou com o
pedido da defesa?
NÃO.
Para a progressão de regime, deve
o reeducando preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e
subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da LEP.
Na época dos fatos, ou seja,
antes da Lei nº 14.843/2024, o exame criminológico não era obrigatório para
fins de progressão. Somente se tornou obrigatório com a Lei nº 14.843/2024:
lep |
|
Antes da
Lei 14.843/2024 |
Depois da
Lei 14.843/2024 |
Art. 112.
(...) § 1º Em
todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar
boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento,
respeitadas as normas que vedam a progressão. |
Art. 112.
(...) § 1º Em
todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se
ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as
normas que vedam a progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023) |
Art. 114.
Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: (...) II -
apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi
submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e
senso de responsabilidade, ao novo regime. |
Art. 114.
Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: (...) II -
apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se,
com autodisciplina, baixa periculosidade e
senso de responsabilidade, ao novo regime. (redação dada Lei nº 14.843/2023) |
Vale ressaltar, no entanto, que,
mesmo antes da Lei nº 14.843/2024, o STJ firmou entendimento no sentido de que
o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, poderia determinar a realização do exame criminológico, desde que mediante
decisão adequadamente motivada. Inteligência da Súmula nº 439/STJ e da Súmula
vinculante nº 26.
No caso concreto, a determinação
para a realização do exame criminológico foi devidamente fundamentada.
O resultado do exame
criminológico foi desfavorável.
Com base nesse resultado e em
outras circunstâncias do caso concreto, o magistrado rejeitou o pedido.
O laudo psicológico realizado
destacou que o reeducando “apresenta personalidade com traços de imaturidade e
dificuldade no controle racional de suas emoções, agindo de forma desajustada
diante das adversidades do cotidiano” e “diante da dificuldade de ressocialização
em virtude dos impactos negativos da dependência química e prisionização
observa-se a necessidade de acompanhamento adequado.”
Conforme a jurisprudência do STJ,
“o resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de
progressão de regime por falta de requisito subjetivo” (AgRg no HC 848.737/SP,
relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 5/10/2023).
Em suma:
O resultado desfavorável de exame criminológico
justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito
subjetivo.
STJ. 6ª Turma.
AgRg no HC 895.107-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do
TJDFT), julgado em 7/5/2024 (Info 811).