sexta-feira, 14 de junho de 2024

O resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo

NOÇÕES GERAIS SOBRE O EXAME CRIMINOLÓGICO

O que é exame criminológico?

Trata-se de um exame

- feito no condenado

- por um profissional

- com o objetivo de verificar

- se este apenado tem aptidão física e psíquica para progredir de regime.

 

A doutrina afirma que se trata de um exame de cunho biopsicossocial do criminoso, a fim de formar um diagnóstico de sua personalidade e, assim, obter um prognóstico criminal.

Desse modo, tem por objetivo detalhar a personalidade do delinquente, sua imputabilidade ou não, o teor de sua periculosidade, a sensibilidade à pena e a probabilidade de sua correção (PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).

A partir disso, o exame criminológico fornece subsídios para o magistrado decidir se deve ou não conceder a progressão de regime.

 

Breve histórico do exame criminológico na legislação

Redação original da LEP:

O art. 112 da Lei de Execuções Penais, em sua redação original, mencionava expressamente o exame criminológico para a progressão de regime.

Veja a redação que perdurou de 1984 a 2003:

Art. 112. (...)

Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.

 

Lei 10.792/2003:

A Lei nº 10.792/2003 alterou esse art. 112 e deixou de mencionar a possibilidade de exigir exame criminológico. Veja como ficou a redação do art. 112 após a Lei nº 10.792/2003:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

 

Mesmo após a Lei nº 10.792/2003 continuou sendo possível exigir o exame criminológico?

SIM. A jurisprudência se firmou no sentido de que, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, o exame criminológico ainda poderia ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entendesse que a perícia era absolutamente necessária para a formação de seu convencimento.

Em suma, a Lei nº 10.792/2003 não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização do exame criminológico, que ainda poderia ser feito para a aferição da personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado.

Nesse sentido, em 28/04/2010, o STJ aprovou o seguinte enunciado espelhando essa conclusão:

Súmula 439-STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

 

Há também uma súmula do STF, aprovada em 16/12/2009, que indica a possibilidade da realização do exame criminológico:

Súmula vinculante 26: Para efeito de progressão de regime de cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de marco de 2007, o juiz da execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, na redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

 

Assim, mesmo após a Lei nº 10.792/2003, continuou sendo possível que o juiz negasse a progressão de regime com base no exame criminológico:

Esta Corte possui o entendimento de que o resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC n. 870.417/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 5/12/2023.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC n. 848.737/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/10/2023.

 

Lei nº 14.843/2024

O exame criminológico passou a ser obrigatório para que o apenado tenha direito à progressão de regime.

Veja abaixo a exigência feita pela Lei nº 14.843/2024 no que tange ao exame criminológico:

 

TÍTULO V - Da Execução das Penas em Espécie

CAPÍTULO I - Das Penas Privativas de Liberdade

SEÇÃO II - Dos Regimes

Antes da Lei 14.843/2024

Depois da Lei 14.843/2024

Art. 112. (...)

§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Art. 112. (...)

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023)

Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:

(...)

II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.

Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:

(...)

II - apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime. (redação dada Lei nº 14.843/2023)

 

Vale ressaltar que é extremamente provável que a jurisprudência mitigue essa obrigatoriedade do exame criminológico. Em diversas comarcas do interior do país será muito difícil a realização do exame e, certamente, os juízes e tribunais irão relativizar a exigência e conceder a progressão mesmo sem esses resultados.

 

Como fica agora a súmula 439 do STJ?

Fica superada, em parte.

A súmula dizia que o juiz somente poderia exigir o exame criminológico se houvesse necessidade diante das peculiaridades do caso concreto, devendo, para isso, prolatar decisão fundamentada.

Com a Lei nº 14.843/2024, o juiz deverá exigir o exame criminológico em todas as situações de progressão de regime e, somente se for dispensar o exame, é que deverá fundamentar essa excepcionalidade com base nas peculiaridades do caso.

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO (OCORRIDO ANTES DA LEI 14.843/2024)

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro cumpria pena no regime fechado e alcançou o lapso temporal necessário para progredir para o regime semiaberto.

A defesa formulou o pedido de progressão e, para tanto, juntou o atestado de bom comportamento carcerário favorável.

O juízo da execução, antes de decidir sobre o pedido, entendeu imprescindível a submissão do apenado a exame criminológico. Segundo argumentou o magistrado:

“O sentenciado registra SEIS condenações, além de ter praticado, durante o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime prisional aberto, falta disciplinar de natureza grave, tudo a indicar, portanto, que faz da criminalidade o seu habitual modo de vida e, por conseguinte, periculosidade social invulgar, bem como ausência de autodisciplina e senso de responsabilidade, o que, por si só, legitima a providência acima alvitrada [exame criminológico].”

 

Concluído o exame criminológico, o relatório psicológico foi desfavorável ao apenado.

Diante disso, o juiz indeferiu o pedido de progressão argumentando que o requisito subjetivo não restou preenchido.

O condenado interpôs agravo em execução para o TJSP, mas o recurso foi desprovido.

A defesa impetrou então habeas corpus perante o STJ insistindo que, mesmo com o exame criminológico desfavorável, deveria ser concedida a progressão.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

NÃO.

Para a progressão de regime, deve o reeducando preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da LEP.

Na época dos fatos, ou seja, antes da Lei nº 14.843/2024, o exame criminológico não era obrigatório para fins de progressão. Somente se tornou obrigatório com a Lei nº 14.843/2024:

 

lep

Antes da Lei 14.843/2024

Depois da Lei 14.843/2024

Art. 112. (...)

§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Art. 112. (...)

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão. (redação dada Lei nº 14.843/2023)

Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:

(...)

II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.

Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:

(...)

II - apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime. (redação dada Lei nº 14.843/2023)

 

Vale ressaltar, no entanto, que, mesmo antes da Lei nº 14.843/2024, o STJ firmou entendimento no sentido de que o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, poderia determinar a realização  do exame criminológico, desde que mediante decisão adequadamente motivada. Inteligência da Súmula nº 439/STJ e da Súmula vinculante nº 26.

No caso concreto, a determinação para a realização do exame criminológico foi devidamente fundamentada.

O resultado do exame criminológico foi desfavorável.

Com base nesse resultado e em outras circunstâncias do caso concreto, o magistrado rejeitou o pedido.

O laudo psicológico realizado destacou que o reeducando “apresenta personalidade com traços de imaturidade e dificuldade no controle racional de suas emoções, agindo de forma desajustada diante das adversidades do cotidiano” e “diante da dificuldade de ressocialização em virtude dos impactos negativos da dependência química e prisionização observa-se a necessidade de acompanhamento adequado.”

Conforme a jurisprudência do STJ, “o resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo” (AgRg no HC 848.737/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 5/10/2023).

 

Em suma:

O resultado desfavorável de exame criminológico justifica a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo. 

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 895.107-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 7/5/2024 (Info 811).


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