Imagine a seguinte situação
hipotética:
A polícia instaurou inquérito para investigar supostos crimes praticados
por João e Pedro, sócios da empresa Alfa Ltda.
O juiz deferiu pedido de busca e apreensão na sede da Alfa.
No dia designado para o cumprimento da medida, o Oficial de Justiça e os
agentes se dirigiram até a sede da Alfa. Lá chegando, foram recebidos e
acompanhados por um funcionário da empresa.
Pouco tempo depois, chegaram ao local advogados da Alfa dizendo que o
imóvel era ocupado por duas empresas autônomas (Alfa e Beta) e que, por essa
razão, a busca deveria se limitar apenas à sala 1, uma vez que as demais salas
e o galpão seriam de propriedade da empresa Beta Ltda.
Os policiais, contudo, prosseguiram com a busca em todo o imóvel apreendendo
documentos e computadores não apenas da sala 1, mas também das demais salas.
Alguns dias depois, a empresa Beta impetrou mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça alegando que a
ordem de busca e apreensão não foi a ela direcionada, nem havia sido mencionada
nas investigações, de modo que a medida em suas dependências teria se mostrado
ilegal e abusiva.
O TJ, no entanto, denegou a segurança afirmando que:
Não ficou cabalmente demonstrado que o
mandado de busca e apreensão invadiu a propriedade de pessoa jurídica diversa,
especialmente diante do relato dos policiais, que narraram que não havia delimitação
clara e objetiva da separação das empresas e das salas.
Também não se detecta, de imediato, a
ausência de relação entre a impetrante, ou seus sócios, com a supostas práticas
delituosas praticadas pela empresa Alfa.
Assim, não se vislumbram qualquer ilegalidade
ou abuso de poder na diligência.
A Beta não concordou e interpôs recurso ordinário.
O STJ concordou com os
argumentos da impetrante Beta?
SIM. O STJ deu provimento ao
recurso para declarar a nulidade da apreensão dos documentos e coisas
pertencentes à impetrante Beta, determinando que lhe sejam imediatamente
restituídos. Além disso, proibiu-se a sua utilização em eventual futuro procedimento
criminal.
A medida de busca e apreensão é
uma diligência que tangencia e, de certa forma, restringe direitos e garantias
fundamentais do acusado (art. 5º, X a XIII da CF/88).
Por essa razão, o legislador processual penal houve por bem
estabelecer, de maneira minuciosa, os elementos materiais e formais contidos no
mandado que instrumentaliza a busca e apreensão. Veja o que diz o art. 243 do
CPP:
Art. 243. O mandado de busca deverá:
I - indicar, o mais precisamente
possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo
proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que
terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
II - mencionar o motivo e os fins da
diligência;
III - ser subscrito pelo escrivão e
assinado pela autoridade que o fizer expedir.
§ 1º Se houver ordem de prisão,
constará do próprio texto do mandado de busca.
§ 2º Não será permitida a apreensão de
documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do
corpo de delito.
No caso, a despeito de a ação
cautelar tramitar apenas em desfavor de uma empresa, o cumprimento das
diligências de busca e apreensão se estendeu ao edifício contíguo, pertencente
à pessoa jurídica diversa, que não figurava na demanda acautelatória e, portanto,
não poderia ter sua sede violada.
O fato de o juízo ter delegado a
verificação da propriedade do estabelecimento e da documentação apreendida aos
oficiais que cumpriam a diligência ou a constatação, “a posteriori”, de
confusão entre o acervo documental das empresas, não altera o quadro de
violação constatado, na medida em que o art. 243, I do CPP estabelece, de
maneira inequívoca, que: “O mandado de busca deverá: I - indicar, o mais
precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do
respectivo proprietário ou morador (...)”.
É inviável que o magistrado, na
elaboração do mandado, especifique todos os documentos e objetos a serem
apreendidos. Por outro lado, o instrumento que municia a diligência (ou seja, o
mandado) deve apontar, de maneira clara, a pessoa e o local onde a medida ocorrerá,
não podendo surpreender terceiros em violação de seus domicílios (em sentido
amplo).
Vale ressaltar que os argumentos
no sentido de que talvez a Alfa e a Beta talvez sejam de um mesmo grupo
empresarial ou eventual ligação de uma com a outra na prática dos delitos são questões
que deveriam ter sido investigada e levadas ao conhecimento do juízo antes da expedição
do mandado.
Em suma:
O mandado de busca e apreensão deve apontar, de
maneira clara, a pessoa e o local onde a diligência ocorrerá, não podendo
surpreender terceiros em violação de seus domicílios.
STJ. 5ª Turma.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 7/5/2024
(Info 811).