Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, um aposentado, possuía muito dinheiro em sua conta
bancária.
Regina havia sido advogada de João e sabia que ele
possuía essa quantia. Ela também tinha conhecimento que o aposentado era um
idoso que vivia sozinho e que não tinha muita instrução formal.
Diante disso, ela bolou um plano com seu marido Pedro.
Regina forjou uma nota promissória na qual constava que João teria supostamente
se comprometido a pagar R$ 100 mil.
Regina preparou e protocolizou uma execução em nome de
Pedro (como exequente) contra João cobrando o valor da nota promissória.
O plano inicialmente deu certo.
João não apresentou embargos à execução nem exceção de
pré-executividade. Assim, o juiz penhorou o valor cobrado em sua conta bancária
e transferiu para Pedro.
A fraude somente foi descoberta meses depois graças a um
sobrinho de João que estudava para concursos e auxiliou seu tio.
O Ministério Público denunciou Regina e Pedro pela
prática de estelionato (art. 171 do Código Penal).
A denúncia foi recebida.
Regina e Pedro impetraram habeas corpus alegando que estariam
sendo inadequadamente processados por estelionato judicial. Argumentou que o STJ
não reconhece a tipicidade da prática de estelionato por meio do ajuizamento de
ações judiciais.
O STJ concordou com os argumentos da defesa?
SIM.
No caso,
a paciente ajuizou ação de execução de título executivo extrajudicial em nome
de Pedro, com base em título executivo inautêntico, gerando a penhora de R$ 100
mil da conta bancária da vítima João, obtendo em seguida o levantamento desse
valor.
Ocorre
que, conforme jurisprudência do STJ, o uso de ações judiciais com o objetivo de
obter lucro ou vantagem indevida caracteriza estelionato judicial, conduta
atípica na esfera penal.
A figura
do estelionato judiciário é atípica pela absoluta impropriedade do meio, uma
vez que o processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício do
contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no
caso, em “indução em erro” do magistrado.
Eventual
ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial poderia, em tese,
constituir crime autônomo, que não se confunde com a imputação de “estelionato
judicial” (STJ. 6ª Turma. REsp 1.101.914/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, DJe 21/3/2012).
Em suma:
O denominado estelionato judicial é conduta atípica
na esfera penal.
STJ. 6ª
Turma. AgRg no HC 841.731-MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
15/4/2024 (Info 811).
Importante ressaltar, novamente,
que o reconhecimento da atipicidade da conduta do estelionato judiciário não
afasta a possibilidade de apuração de eventuais crimes autônomos remanescentes.