segunda-feira, 10 de junho de 2024

Existe o crime de estelionato judicial?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, um aposentado, possuía muito dinheiro em sua conta bancária.

Regina havia sido advogada de João e sabia que ele possuía essa quantia. Ela também tinha conhecimento que o aposentado era um idoso que vivia sozinho e que não tinha muita instrução formal.

Diante disso, ela bolou um plano com seu marido Pedro. Regina forjou uma nota promissória na qual constava que João teria supostamente se comprometido a pagar R$ 100 mil.

Regina preparou e protocolizou uma execução em nome de Pedro (como exequente) contra João cobrando o valor da nota promissória.

O plano inicialmente deu certo.

João não apresentou embargos à execução nem exceção de pré-executividade. Assim, o juiz penhorou o valor cobrado em sua conta bancária e transferiu para Pedro.

A fraude somente foi descoberta meses depois graças a um sobrinho de João que estudava para concursos e auxiliou seu tio.

O Ministério Público denunciou Regina e Pedro pela prática de estelionato (art. 171 do Código Penal).

A denúncia foi recebida.

Regina e Pedro impetraram habeas corpus alegando que estariam sendo inadequadamente processados por estelionato judicial. Argumentou que o STJ não reconhece a tipicidade da prática de estelionato por meio do ajuizamento de ações judiciais.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

No caso, a paciente ajuizou ação de execução de título executivo extrajudicial em nome de Pedro, com base em título executivo inautêntico, gerando a penhora de R$ 100 mil da conta bancária da vítima João, obtendo em seguida o levantamento desse valor.

Ocorre que, conforme jurisprudência do STJ, o uso de ações judiciais com o objetivo de obter lucro ou vantagem indevida caracteriza estelionato judicial, conduta atípica na esfera penal.

A figura do estelionato judiciário é atípica pela absoluta impropriedade do meio, uma vez que o processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no caso, em “indução em erro” do magistrado.

Eventual ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial poderia, em tese, constituir crime autônomo, que não se confunde com a imputação de “estelionato judicial” (STJ. 6ª Turma. REsp 1.101.914/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 21/3/2012).

 

Em suma:

O denominado estelionato judicial é conduta atípica na esfera penal. 

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 841.731-MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/4/2024 (Info 811).

 

Importante ressaltar, novamente, que o reconhecimento da atipicidade da conduta do estelionato judiciário não afasta a possibilidade de apuração de eventuais crimes autônomos remanescentes.


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