segunda-feira, 17 de junho de 2024

Em um contrato de locação por prazo determinado, Manoel aceitou ser fiador porque seu irmão era sócio da empresa locatária; ocorre que, antes do fim da locação, o irmão deixou a sociedade; Manoel somente deixará de ser fiador ao fim do contrato

Imagine a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa Ltda (locadora) alugou um imóvel para a empresa Beta Ltda (locatária), que tinha três sócios: João, Paulo e Carlos.

Foi então celebrado um contrato de locação por prazo determinado (3 anos) entre a Alfa e a Beta. O ajuste foi celebrado em março de 2020 e iria perdurar até março de 2023.

Manoel, irmão de Carlos, para ajudar seu parente, aceitou figurar como fiador no contrato de locação.

 

Carlos deixou a sociedade e o fiador enviou notificação exoneratória

Ocorre que, em março de 2022, após um sério desentendimento com os demais sócios, Carlos deixou a sociedade, saindo do quadro social da Beta (empresa afiançada).

Como resultado dessa mudança, Manoel decidiu que não queria mais continuar como fiador, pois sua motivação para garantir o contrato estava diretamente ligada à presença do irmão na empresa.

Diante disso, Manoel enviou uma notificação extrajudicial para a locadora (Alfa) afirmando que não desejava mais ser fiador do contrato. Isso é chamado de “notificação exoneratória”.

A locadora não respondeu a notificação.

 

Locatária deixou de pagar o aluguel e a locadora cobrou a dívida do fiador

A empresa Beta deixou de pagar os aluguéis dos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2022, bem como das taxas condominiais e IPTU.

A locadora ajuizou ação de despejo, rescisão contratual e cobrança de aluguéis e acessórios em face da locatária e do fiador Manoel.

Manoel apresentou contestação arguindo a sua ilegitimidade passiva sob o argumento de que apresentou notificação à locadora pedindo a sua exoneração da fiança.

 

O argumento do fiador foi acolhido pelo STJ? Em um contrato de locação por prazo determinado, a alteração de quadro social da empresa afiançada admite a exoneração de fiador que havia prestado a garantia em razão de vínculo afetivo com algum dos sócios que se retirou?

NÃO.

A exoneração do fiador tem início distinto em cada uma das modalidades de contrato de locação.

No que tange ao prazo, vale lembrar que existem três modalidades de contrato de locação:

I) prazo indeterminado;

II) por prazo determinado que, prorrogando-se, torna-se indeterminado; e

III) por prazo determinado que se extingue na data prevista ou antes.

 

No caso de contrato por prazo indeterminado:

O art. 40, X, da Lei nº 8.245/91 determina que o locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia na hipótese de prorrogação da locação por prazo indeterminado, uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Assim, nos contratos por prazo indeterminado, basta que se cumpra o requisito formal de o fiador notificar o locador de sua pretensão exoneratória para que se inicie o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a busca por novo fiador ou da substituição da garantia, período durante o qual o garantidor mantem-se obrigado.

 

No caso de contratos por prazo determinado e que, por ter sido prorrogado, se tornou indeterminado

Para os contratos firmados por prazo determinado, mas que se tornam indeterminados em razão da sua prorrogação, o STJ entende pela desnecessidade de a notificação ser realizada apenas no período da indeterminação do contrato de locação, podendo os fiadores, no curso da locação com prazo determinado, notificarem o locador de sua intenção, embora seus efeitos somente possam se projetar para o período de indeterminação do contrato.

(...) 1. Controvérsia acerca da correta interpretação do art. 40, inciso X, da Lei 8.245/91, devendo ser definida a validade e a eficácia da notificação exoneratória formulada pelos fiadores ainda no curso da locação por prazo determinado e, em sendo válida, o termo inicial da contagem do lapso de 120 dias previsto no referido dispositivo, durante o qual ficam obrigados os fiadores por todos os efeitos da fiança a partir da notificação. 2. Desnecessidade de que a notificação seja realizada apenas no período da indeterminação do contrato de locação, podendo, assim, os fiadores, no curso da locação com prazo determinado, notificarem o locador de sua intenção exoneratória, mas os seus efeitos somente poderão se projetar para o período de indeterminação do contrato.

3. Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação. (...)

STJ. 3ª Turma. REsp 1.798.924/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/5/2019.

 

No caso de contrato por prazo indeterminado (como no exemplo hipotético):

Em se tratando de locação por prazo determinado que tem fim na data avençada ou antes, a notificação exoneratória pode ser feita durante sua vigência, mas o compromisso fidejussório (ou seja, a fiança) se estende até o fim do contrato.

Não há como se aplicar aos contratos de locação firmados por prazo determinado a regra do art. 40, X, da Lei nº 8.245/91, pois o dispositivo refere-se exclusivamente aos contratos por prazo indeterminado.

Embora possa ser enviada notificação exoneratória ao locador durante a vigência do contrato por prazo determinado, o fiador (em nosso exemplo, Manoel) somente irá se exonerar de sua obrigação:

I) ao término do contrato por prazo determinado, ainda que haja alteração no quadro social da empresa afiançada; ou

II) em 120 dias a partir da data em que o contrato se torna indeterminado, por qualquer razão.

 

Dessa forma, nos contratos por prazo determinado em que não houve prorrogação, embora admita-se que o fiador realize a notificação extrajudicial durante a sua vigência, somente haverá exoneração da garantia com o fim do prazo estabelecido contratualmente.

Essa conclusão persiste mesmo se houver alteração no quadro societário da empresa afiançada durante a vigência do contrato.

 

O fato de o fiador alegar a quebra do vínculo pelo fato de seu irmão ter saído da empresa não é motivo para se permitir a saída antecipada do fiador?

NÃO. Diferentemente do que ocorria no Código Civil de 1916, em que a exoneração decorria de acordo entre as partes ou de sentença, no atual Código, o único requisito formal é a notificação.

Assim, a mera notificação extrajudicial, elaborada unilateralmente pelo fiador, alegando questão de alta subjetividade, como o “vínculo afetivo” com algum dos sócios da empresa afiançada, não pode ser considerado como suficiente para a exoneração, sob o risco de enfraquecimento da garantia fidejussória mais utilizada no país.

 

Dessa forma, o fiador que livremente anuiu em prestar garantia a uma pessoa jurídica - e não a um de seus sócios -, ciente de que a empresa estaria sujeita a alteração de quadro social, não pode simplesmente exonerar-se, após enviar notificação extrajudicial, ainda durante a vigência de contrato por tempo determinado, em razão de fato que lhe era previsível.

Sendo o vínculo pessoal entre o fiador e algum dos sócios da empresa afiançada essencial para continuidade da garantia, tal disposição deve estar prevista expressamente no contrato de fiança, nos termos do art. 830 do Código Civil:

Art. 830. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado.

 

Em outras palavras, Manoel deveria ter incluído no contrato expressamente a ressalva de que seria fiador enquanto seu irmão permanecesse na sociedade.

 

Em suma:

Na locação por prazo determinado, embora possa ser enviada notificação exoneratória ao locador durante a vigência do contrato, o fiador somente irá se exonerar de sua obrigação ao término do contrato por prazo determinado, ainda que haja alteração no quadro social da empresa afiançada, ou em 120 dias a partir da data em que o contrato se torna indeterminado, por qualquer razão. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.121.585-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/5/2024 (Info 812).

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