terça-feira, 11 de junho de 2024
É possível que essa notificação extrajudicial do devedor fiduciante seja feita por e-mail?
Imagine a seguinte situação hipotética:
Antônio quer comprar um carro de R$ 70
mil, mas somente possui R$ 30 mil. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com
ele contrato de financiamento com
garantia de alienação fiduciária.
Assim, o Banco “X” empresta R$ 40 mil a
Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a
propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com
Antônio.
Em outras palavras, Antônio ficará
andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco
“X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a
propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro
pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.
O que acontece em caso de
inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?
Havendo mora por parte do mutuário, o
procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):
Notificação do devedor
O credor deverá fazer a notificação
extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim,
a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação
de busca e apreensão. Confira:
Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e
apreensão do bem alienado fiduciariamente.
Súmula 245-STJ: A notificação destinada a comprovar a mora nas
dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do
débito.
Como é feita a notificação do devedor?
Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e
Documentos?
NÃO. Logo, não precisa ser realizada por
intermédio do Cartório de RTD.
Até um passado recente, na maioria dos
casos, essa notificação era feita por meio de carta registrada com aviso de
recebimento.
O aviso de recebimento da carta (AR)
precisa ser assinado pelo próprio devedor?
NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de
recebimento seja a do próprio destinatário. É o que prevê o § 2º do art. 2º do
DL 911/69):
Art. 2º (...)
§ 2º A mora decorrerá do simples
vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada
com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do
referido aviso seja a do próprio destinatário.
Para a constituição em mora por meio de
notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do
devedor, ainda que não pessoalmente:
Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por
alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao
devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova
do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros.
STJ. 2ª Seção. REsps 1.951.662-RS e 1.951.888-RS, Rel. Min.
Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9/8/2023
(Recurso Repetitivo – Tema 1132) (Info 782).
Márcio, por que você disse que, até um
passado recente, na maioria dos casos, essa notificação era feita por meio de
carta registrada com aviso de recebimento?
Porque atualmente muitos bancos
têm feito essa notificação por e-mail.
Isso é válido? É possível a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por
e-mail?
O STJ, por enquanto, está dividido.
A 3ª Turma entende que não:
A notificação extrajudicial expedida exclusivamente para
endereço eletrônico não se mostra idônea para constituir em mora o devedor.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.045.968/RS, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2023.
A 4ª Turma, por sua vez, tem
decidido que sim, desde que cumpridos dois requisitos. Veja:
É suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante
por e-mail, desde que:
• seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato
de alienação fiduciária; e
• seja comprovado seu efetivo recebimento.
Não é razoável exigir, a
cada inovação tecnológica que facilite a comunicação e as notificações para
fins empresariais, a necessidade de uma regulamentação normativa no Brasil para
sua utilização como prova judicial, sob pena de subutilização da tecnologia
desenvolvida.
Além disso, a aceitação,
pelo Poder Judiciário, de métodos de comprovação de entrega de mensagens
eletrônicas pode ser embasada na análise de sua eficácia e confiabilidade, como
ocorre com qualquer prova documental, independentemente de certificações formais.
Se a parte apresentar evidências sólidas e verificáveis que atestem a entrega
da mensagem, assim como a autenticidade de seu conteúdo, o magistrado pode
considerar tais elementos válidos para efeitos legais.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.087.485-RS, Rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, julgado em 23/4/2024 (Info 811).