quinta-feira, 27 de junho de 2024

A responsabilidade civil de jornalistas, ao divulgar notícias sobre figuras públicas ou assuntos de interesse social, só ocorre em casos de dolo ou culpa grave; caracterizado o assédio judicial, o jornalista réu poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Em 2021, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) ingressaram com duas ações diretas de inconstitucionalidade, pedindo que o STF adotasse medidas para combater o assédio judicial contra jornalistas e empresas de comunicação (jornais, revistas, rádio e TV).

A ABI argumentou que proliferam no Brasil decisões judiciais condenando jornalistas por críticas a figuras públicas ou em assuntos de interesse público. Essas condenações produzem, como resultado, um indesejado “efeito silenciador da crítica pública”, em afronta à liberdade de expressão, de informação jornalística e ao direito à informação.

As indenizações interrompem ou prejudicam gravemente o funcionamento de órgãos de imprensa e ameaçam a subsistência de profissionais de comunicação.

Para a ABI, jornalistas e veículos de imprensa quando publicam, de boa-fé, matérias sobre casos de corrupção ou atos de improbidade que não foram objeto de uma comprovação definitiva, não devem sofrer risco de retaliações, por meio do ajuizamento de ações cíveis. Apenas a divulgação dolosa ou gravemente negligente de notícia falsa pode legitimar condenações.

Essas ações contra jornalistas configuram, na visão das autoras, assédio judicial, que consiste na “utilização do Poder Judiciário como forma de perseguição e intimidação contra a imprensa”. O assédio judicial configura-se com a propositura de várias ações de indenização sobre os mesmos fatos e contra a mesma pessoa em diferentes cidades e Estados com o objetivo de dificultar a defesa ou intimidar os jornalistas.

Nesse cenário, as associações pediram que:

i) no caso de assédio judicial, todas as ações sejam reunidas em um único lugar para garantir o direito à defesa; e

ii) que os jornalistas e empresas de comunicação sejam responsabilizadas pelas publicações apenas nas hipóteses de comprovação de dolo ou descuido na verificação das informações publicadas (culpa grave).

 

Na ADI 6.792/DF, ajuizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), foi requerida a interpretação conforme a CF/88 dos seguintes dispositivos: arts. 186 e 927 do Código Civil; art. 835, caput e § 1º do CPC; arts. 79, 80 e 81 do CPC.

Já na ADI 7.055/DF, ajuizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), foi requerida a interpretação conforme a Constituição do art. 53, IV, do CPC e do art. 4º, III, da Lei nº 9.099/95:

Art. 53. É competente o foro:

(...)

IV - do lugar do ato ou fato para a ação:

a) de reparação de dano;

b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;

 

Art. 4º É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro:

(...)

III - do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza.

 

Assédio judicial

O assédio judicial verifica-se quando inúmeras ações são ajuizadas sobre os mesmos fatos em comarcas diversas, com o objetivo de intimidar jornalistas, impedir sua defesa ou torná-la extremamente dispendiosa. É uma prática abusiva do direito de ação, com notório intuito de prejudicar o direito de defesa de jornalista ou órgão de imprensa.

Quando identificado o assédio judicial, a proteção da liberdade de expressão legitima a fixação de competência no foro do domicílio do réu, que é a regra geral do direito brasileiro (art. 46, caput, do CPC):

Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.

 

Nos casos de assédio judicial a jornalistas, a parte ré poderá solicitar a reunião de todas as demandas judiciais para serem julgadas no foro de seu domicílio.

STF. Plenário. ADI 6.792/DF e ADI 7.055/DF, Rel. Min. Rosa Weber, redator do acórdão Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 22/05/2024 (Info 1138).

 

Vale ressaltar que há várias leis que estabelecem expressamente a reunião de ações com os mesmos fundamentos em um único foro. Exemplos: Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa.

Para unificar as ações que forem iniciadas em tribunais distintos, bastará que a defesa solicite a sua remessa e redistribuição, tornando-se prevento o juiz do domicílio do réu no qual a primeira ação for distribuída.

Além disso, nas situações em que restar evidente o assédio judicial, o magistrado competente poderá reconhecer de ofício a ausência do interesse de agir e, consequentemente, extinguir sumariamente a ação sem resolução do mérito.

 

Responsabilidade do jornalista pela divulgação de notícias sobre figuras públicas ou assuntos de interesse social

O STF decidiu que:

A responsabilidade civil de jornalistas, ao divulgar notícias sobre figuras públicas ou assuntos de interesse social, só ocorre em casos de dolo ou culpa grave (manifesta negligência profissional na apuração dos fatos), não se aplicando a opiniões, críticas ou informações verdadeiras de interesse público.

STF. Plenário. ADI 6.792/DF e ADI 7.055/DF, Rel. Min. Rosa Weber, redator do acórdão Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 22/05/2024 (Info 1138).

 

A liberdade de expressão é um direito protegido de maneira reforçada na CF/88, com fundamentos nos seguintes dispositivos:

Art. 5º (...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

(...)

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

(...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

 

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

 

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

 § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

(...)

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

 

A Corte ponderou que nos casos de conflito entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, tais como direito à honra e à vida privada, a liberdade deve prevalecer na maior parte dos casos.

Isso porque a liberdade de expressão é uma liberdade preferencial pela sua importância para a dignidade da pessoa humana, sendo imprescindível para a democracia e que depende da participação esclarecida das pessoas.

Essa posição preferencial da liberdade de expressão protege a atividade jornalística. Logo, o jornalista ou o veículo de comunicação somente podem ser responsabilizados nas hipóteses explícitas de dolo ou culpa grave (culpa grave neste caso significa evidente negligência profissional na apuração dos fatos).

Assim, os jornalistas e meios de comunicação só podem ser condenados a pagar indenização pelo conteúdo de suas publicações quando for comprovado:

• a intenção de prejudicar outras pessoas (dolo); ou

• quando existir descuido significativo na apuração da informação (culpa grave).

 

Confira as teses fixada pelo STF:  

1. Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa.

2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio.

3. A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos).

STF. Plenário. ADI 6.792/DF e ADI 7.055/DF, Rel. Min. Rosa Weber, redator do acórdão Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 22/05/2024 (Info 1138).

 

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por maioria, julgou parcialmente procedente a ADI 6.792/DF e integralmente procedente a ADI 7.055/DF, para dar interpretação conforme a Constituição aos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, e ao art. 53 do Código de Processo Civil, nos moldes da tese anteriormente citada, fixada também por maioria.


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