domingo, 23 de junho de 2024
A reiteração automática de ordens de bloqueio on-line de valores (Teimosinha) não é, por si só, revestida de ilegalidade, devendo a sua legalidade ser avaliada em cada caso concreto
Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Fazenda Nacional ingressou com
execução fiscal cobrando R$ 400 mil da empresa Alfa Ltda.
A empresa foi citada, não pagou nem indicou bens para penhora.
Diante disso, a exequente pediu a penhora, via SISBAJUD, de eventual
dinheiro da executada que estivesse depositado em contas bancárias e aplicações
financeiras:
SISBAJUD é o Sistema de Busca
de Ativos do Poder Judiciário. Ele é uma plataforma online que facilita a
comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, permitindo
a solicitação de ações como bloqueio, desbloqueio, transferência ou consulta de
valores em contas correntes, poupanças e investimentos.
O juiz entra no sistema, com
seu login e senha, digita os dados da parte executada e do processo e envia uma
ordem de penhora dos valores eventualmente existentes nas contas bancárias e em
aplicações financeiras existentes em nome da parte devedora.
A Fazenda Nacional requereu que o juiz, ao dar a ordem de penhora, no
SISBAJUD, ativasse uma ferramenta conhecida como “Teimosinha”. Se essa opção
for assinada no SISBAJUD, a tentativa de penhora fica sendo reiterada automaticamente
até que o valor necessário seja atingido.
Vou abrir um parêntese para explicar com mais detalhes o que é a
“Teimosinha”
Quando o juiz emite uma ordem no SISBAJUD, o sistema analisa as contas
bancárias e aplicações que existam em nome da parte executada e, se naquele
dia, houver numerário disponível, a ordem é cumprida e o dinheiro penhorado.
Ocorre que essa pesquisa e tentativa de penhora é como se fosse uma “fotografia” do dia em que a ordem é cumprida. Assim, imaginemos que, no dia 01/02, a pesquisa no SISBAJUD foi executada. Neste dia, não havia dinheiro na conta bancária da executada. Isso significa que o sistema não conseguirá penhorar nada e esse resultado infrutífero é informado ao magistrado que poderá, se assim entender, dar uma nova ordem em outro dia.
Como se trata de uma “fotografia” do dia, o sistema acaba sendo pouco
eficiente. Isso porque pode acontecer de, no dia da pesquisa, não existir
dinheiro, mas no dia seguinte a executada receber um depósito em sua conta e
que não será detectado.
Pensando nisso, foi idealizada uma ferramenta no SISBAJUD denominada
“Teimosinha”.
A teimosinha é o procedimento de repetição programada das ordens de
bloqueio por até 30 dias. Seu objetivo é eliminar a emissão sucessiva e manual
de novas ordens de penhora eletrônica relativa a uma mesma decisão.
Assim, essa ferramenta permite que o pedido de bloqueio seja automaticamente renovado (sem nova ordem do juiz) em intervalos programados (ex: todos os dias, semanalmente etc.), aumentando as chances de encontrar valores disponíveis nas contas dos devedores.
Imagine, por exemplo, que um juiz determina o bloqueio de R$ 5.000,00 nas
contas de um devedor. O pedido inicial de bloqueio através do SISBAJUD retorna
apenas R$ 1.000,00 (só encontrou isso no dia). Se o juiz ativou a Teimosinha, o
sistema continuará tentando encontrar o valor restante. Suponha que a
Teimosinha esteja configurada para repetir a busca a cada 7 dias. Na próxima
semana, o sistema automaticamente tentará novamente bloquear os R$ 4.000,00
restantes. Se ainda não encontrar o valor total, continuará tentando nas
semanas subsequentes até o limite de tempo definido para a operação.
Fechando o parêntese e voltando para o caso hipotético:
O juiz indeferiu o pedido da
Fazenda Nacional argumentando que o uso prolongado e indiscriminado da
Teimosinha, prorrogando o cumprimento de ordens judiciais por vários dias, pode
acarretar sérios prejuízos à operacionalidade da empresa sem que se assegure a manutenção
de suas atividades essenciais.
A Fazenda Nacional recorreu e a
controvérsia chegou até o STJ.
A Teimosinha é uma funcionalidade
ilegal?
NÃO.
O STJ possui entendimento
consolidado no sentido de que a “Teimosinha” não é, por si só, ilegal.
Assim, o juiz pode, em tese,
utilizar. Vale ressaltar, contudo, que será possível analisar se, no caso
concreto, a utilização foi válida, ou não.
Veja julgado da 1ª Turma do STJ
nesse sentido:
(...) 1. O Conselho Nacional de Justiça, com a arquitetura de
sistema mais moderno do SISBAJUD, permitiu “a reiteração automática de ordens
de bloqueio (conhecida como teimosinha), e a partir da emissão da ordem de
penhora on-line de valores, o magistrado poderá registrar a quantidade de vezes
que a mesma ordem terá que ser reiterada no SISBAJUD até o bloqueio do valor
necessário para o seu total cumprimento.”
2. A modalidade “teimosinha” tenciona aumentar a efetividade das
decisões judiciais e aperfeiçoar a prestação jurisdicional, notadamente no
âmbito das execuções, e não é revestida, por si só, de qualquer ilegalidade,
porque busca dar concretude aos arts. 797, caput, e 835, I, do CP C, os quais
estabelecem, respectivamente, que a execução se desenvolve em benefício do
exequente, e que a penhora em dinheiro é prioritária na busca pela satisfação
do crédito.
3. A medida deve ser avaliada em cada caso concreto, porque pode
haver meios menos gravosos ao devedor de satisfação do crédito (art. 805 do
CPC), mas não se pode concluir que a ferramenta é, à primeira vista, ilegal.
4. Hipótese em que, como não houve fundamento em concreto para
se entender pela impossibilidade da medida, findou abalada a base em que se
sustentava o acórdão recorrido, já que o magistrado de primeiro grau limitou a
reiteração automática das ordens de bloqueio por 30 (trinta) dias, pelo que não
inviabilizaria a atividade empresarial do devedor no longo prazo.
5. Recurso especial provido.
STJ. 1ª Turma. REsp 2.034.208/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe
de 31/1/2023.
Confira agora julgado da 2ª Turma
do STJ:
Quanto à possibilidade de se utilizar da penhora reiterada
("teimosinha") para salvaguardar o interesse do exequente,
verifica-se que a referida modalidade é legal, encontrando assento no constante
dos arts. 797, caput e 835, I, do CPC/2015.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.398.263/SP, Rel. Min. Francisco
Falcão, julgado em 26/2/2024.
No caso concreto, o juiz
indeferiu o acionamento da Teimosinha utilizando fundamento genérico, sem
menção às peculiaridades fáticas do caso concreto. Logo, deve ser provido o
recurso, com a determinação de retorno dos autos para novo julgamento, ocasião em
que o órgão julgador deverá decidir a respeito da adequação da medida pedida
pela exequente, à luz das peculiaridades do caso concreto, com observância do
princípio da razoabilidade.
Em suma:
A reiteração automática de ordens de bloqueio on-line
de valores (“Teimosinha”) não é, por si só, revestida de ilegalidade, devendo a
sua legalidade ser avaliada em cada caso concreto.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.091.261-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
julgado em 22/4/2024 (Info 812).
Exemplo em que a utilização da
Teimosinha poderia ser considerada desproporcional:
Suponhamos que o juiz deferiu a
teimosinha por 1 mês. Não se conseguiu penhorar valores suficientes para pagar
a dívida. O juiz reiterou a teimosinha por mais 1 mês. Também não se conseguiu.
Diante disso, ele reiterou por mais 1 mês. Essa situação perdurou por 1 ano.
Neste exemplo hipotético, poderia se considerar que a utilização da Teimosinha
foi ilegal.