sexta-feira, 31 de maio de 2024
Se uma empresa fizer notificação extrajudicial para o intermediador de comércio eletrônico (ex: Mercado Livre) informando que há empresas concorrentes fazendo anúncios que violam os termos de uso da plataforma, esse intermediador não é obrigado a retirar os anúncios
Imagine a seguinte situação adaptada:
Alfa Ltda é uma empresa que fabrica e vende colchões
magnéticos (colchões que utilizam ímãs que criam um campo magnético que,
alegadamente, auxiliam na qualidade do sono).
A empresa utiliza a plataforma de comércio eletrônico
Mercado Livre para anunciar e vender seus produtos.
Todos os colchões da Alfa são certificados pelo INMETRO,
conforme exigido pelos termos de uso do Mercado Livre, garantindo assim
segurança e qualidade aos consumidores.
Certo dia, a Alfa constatou que outros fornecedores estão
anunciando colchões magnéticos sem a devida certificação do INMETRO na mesma
plataforma, o que viola claramente os termos de uso estipulados pelo Mercado
Livre.
Preocupada com a concorrência desleal e a segurança dos
consumidores, a Alfa notifica extrajudicialmente o Mercado Livre, solicitando a
remoção desses anúncios.
O Mercado Livre, entretanto, não providenciou a retirada
dos anúncios que a Alfa entendia inadequados.
Inconformada, a empresa ajuizou ação contra o Mercado
Livre requerendo a retirada dos anúncios, bem como indenização por danos
materiais e morais, por entender que a manutenção dos anúncios irregulares,
mesmo após notificação extrajudicial, lhe causou prejuízos, dada a concorrência
desleal que precisou enfrentar.
O Mercado Livre contestou a demanda alegando que a responsabilidade
pela irregularidade dos produtos só poderia recair sobre os usuários
vendedores. Acrescentou, com lastro no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014),
que se enquadra como provedor de aplicações de internet e, assim sendo, só pode
responder pelos danos gerados por conteúdos de terceiros caso desobedeça a
ordem judicial específica, nos termos do art. 19:
Art. 19. Com o intuito de
assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica,
não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço
e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como
infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
A discussão chegou até o STJ. O que foi decidido? Se
uma empresa fizer notificação extrajudicial para o intermediador de comércio
eletrônico (ex: Mercado Livre) informando que há empresas concorrentes fazendo anúncios
de vendas que violam os termos de uso da plataforma, esse intermediador é
obrigado a retirar os anúncios?
NÃO.
Mercado Livre é provedor de aplicações
Para o Marco Civil da Internet
(MCI), os sites intermediadores do comércio eletrônico enquadram-se na
categoria dos provedores de aplicações, os quais são responsáveis por
disponibilizar na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores
de informação (REsp 1.880.344/SP, Terceira Turma, DJe de 11/3/2021).
O que fazem os provedores
de aplicações?
Segundo a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet -
MCI), provedores de aplicação são aqueles que ofertam um conjunto de
funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à
Internet. Isso pode incluir uma variedade de serviços, como redes sociais,
serviços de e-mail, hospedagem de dados e compartilhamento de vídeos:
Art. 5º Para os efeitos desta
Lei, considera-se:
(...)
VII - aplicações de internet: o
conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal
conectado à internet; e
Publicação de anúncios é
regida pelos termos de uso da plataforma
A publicação de anúncios em
plataforma de comércio eletrônico é regida pelos seus termos de uso.
Os termos de uso da plataforma
são uma modalidade de contrato de adesão. Isso porque as regras são definidas
unilateralmente pelo provedor e apresentadas indiscriminadamente a todos os
usuários.
Os termos de uso são utilizados,
entre outras finalidades, para estabelecer as práticas aceitáveis no uso dos
serviços, bem como as condutas vedadas.
Ademais, a maior parte das
plataformas se reserva o direito de remover e proibir certos conteúdos e dispõe
de mecanismos que permitem aos usuários denunciarem conteúdos considerados
violadores desses termos (CARNEIRO, Ramon Mariano. “Li e aceito”: violação a
direitos fundamentais nos termos de uso das plataformas digitais. Disponível
em:
https://revista.internetlab.org.br/li-eaceitoviolacoes-a-direitos-fundamentais-nos-termos-de-uso-das-plataformasdigitais/).
O MCI regulamenta esses
termos de uso?
NÃO.
O MCI apenas consagra o direito
do usuário de ser informado, por meio de contrato ou dos termos de uso, acerca
das finalidades para as quais seus dados pessoais serão utilizados (art. 7º,
VIII, “c”).
Não há regulamentação das
práticas implementadas pelas plataformas de comércio eletrônico em virtude do
descumprimento dos termos de uso.
Qual é a responsabilidade
dos provedores de aplicação por conteúdo gerado por terceiro?
O art. 19, com o intuito de assegurar a liberdade de
expressão e impedir a censura, dispõe que o provedor de aplicações de internet
somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as
providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do
prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente,
ressalvadas as disposições legais em contrário:
Art. 19. Com o intuito de
assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica,
não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço
e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como
infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Desse modo, salvo as exceções
previstas em lei, os provedores de aplicações apenas respondem,
subsidiariamente, por danos gerados em decorrência de conteúdo publicado por
terceiro após o desatendimento de ordem judicial específica (art. 19 do MCI).
Busca-se evitar o abuso por parte
dos usuários notificantes, o monitoramento prévio, a censura privada e remoções
irrefletidas.
Nessa linha, não é possível impor
aos sites de intermediação a responsabilidade de realizar a prévia fiscalização
sobre a origem de todos os produtos. Isto é, à exceção das hipóteses
estabelecidas no MCI, os provedores de aplicações não têm a obrigação de
excluir publicações realizadas por terceiros em suas páginas, por violação aos
termos de uso, devido à existência de requerimento extrajudicial.
Em suma:
Não é possível atribuir ao intermediador de comércio
eletrônico a obrigação de excluir, em razão de notificação extrajudicial,
anúncios de vendas que violem os termos de uso da plataforma.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.088.236-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2024 (Info
810).