Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro alugou um apartamento para
morar.
Regina, amiga de Pedro, aceitou
figurar no contrato como fiadora.
Após um ano, Pedro devolveu o
apartamento ao locador, ficando devendo, contudo, quatro meses de aluguel.
O proprietário/locador ingressou
com execução contra Pedro (devedor principal) e Regina (fiadora) cobrando os
aluguéis atrasados.
O juiz determinou a penhora da
casa em que Regina mora e que está em seu nome.
A executada apresentou exceção de
pré-executividade, na qual argumentou que o imóvel era impenhorável por ser bem
de família.
A tese de Regina foi
aceita?
NÃO. A impenhorabilidade do bem de família não se aplica no
caso de dívidas do fiador decorrentes do contrato de locação. É isso o que diz
o inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90:
Art. 3º A impenhorabilidade é
oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de
fiança concedida em contrato de locação.
Esse inciso VII do art. 3º
é constitucional? Ele é aplicado pelo STF e STJ?
SIM. O STF decidiu que o art. 3º,
VII, da Lei nº 8.009/90 é constitucional, não violando o direito à moradia
(art. 6º da CF/88) nem qualquer outro dispositivo da CF/88. Nesse sentido: STF.
1ª Turma. RE 495105 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 05/11/2013.
O STJ, por sua vez, editou um
enunciado sobre o tema:
Súmula 549-STJ: É válida a penhora de bem de família pertencente
a fiador de contrato de locação.
Desse
modo, o argumento de Regina foi rejeitado pelo juiz, decisão mantida pelo
Tribunal de Justiça.
Logo, a penhora foi mantida.
Embargos de terceiro
Após o trânsito em julgado dessa
decisão acima, Lucas, filho de Regina, ingressou com embargos de terceiro.
Alegou que reside no imóvel
objeto da penhora e que, por isso, a propriedade se caracterizava como bem de
família. Por não ter vínculo com a relação jurídica existente entre as partes
do cumprimento de sentença, sustentou que seria inaplicável a sua pessoa
qualquer exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família.
Requereu, portanto, que fosse
reconhecida a natureza de bem de família do imóvel e, como consequência, que
fosse afastada definitivamente a constrição judicial.
O pedido de Lucas foi
aceito?
NÃO. Os embargos foram julgados
improcedentes.
O STJ reconhece a legitimidade
dos integrantes da família para postularem a proteção do bem de família:
Todavia, no presente caso, esse
entendimento não pode ser aplicado uma vez que a parte embargante pretende
renovar discussão já regularmente decidida nos autos do processo executivo, no
qual a tese de impenhorabilidade de bem de família deduzida por sua genitora já
foi rechaçada em primeiro e segundo grau de jurisdição.
A reabertura de discussão quanto
a impenhorabilidade do bem constrito, caso fosse acolhida, acarretaria
verdadeira violação ao princípio da segurança jurídica, pois permitiria que,
terceiros estranhos a lide, passassem a estar autorizados a renovar discussões
já acobertados pelo manto da coisa julgada, sob o argumento de que residem ou
passaram a residir com a parte executada, mesmo que tal situação tivesse
ocorrido após a realização da penhora e ao processo de conhecimento.
Em suma:
Embora a jurisprudência do STJ reconheça a
legitimidade do filho para suscitar em embargos de terceiro a impenhorabilidade
do bem de família em que reside, isso não pode ser usado para, por via
transversa, modificar decisão que já rechaçou a impenhorabilidade do referido
bem.
STJ. 3ª
Turma. AgInt no REsp 2.104.283-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
4/3/2024 (Info 810).