Dizer o Direito

terça-feira, 7 de maio de 2024

Incide a preclusão consumativa sobre o montante acumulado da multa cominatória, de forma que, já tendo havido modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas

É POSSÍVEL QUE O MAGISTRADO, A QUALQUER TEMPO, E MESMO DE OFÍCIO, REVISE O VALOR DESPROPORCIONAL DAS ASTREINTES (EAREsp 650.536/RJ)

Astreintes

A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é prevista no art. 537 do CPC/2015:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

 

Assim, a multa coercitiva pode ser aplicada pelo magistrado como uma forma de pressionar o devedor a cumprir:

• uma decisão interlocutória que concedeu tutela provisória; ou

• uma sentença que julgou procedente o pedido do autor.

 

Ex: em uma ação envolvendo contrato empresarial, o juiz determinou que a empresa “XX” entregasse para a empresa “YY” 8 mil sacas de soja em determinado prazo, sob pena de multa diária de R$ 16 mil. Essa multa é chamada de astreinte.

 

Principais características da multa cominatória (astreinte)

• Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de astreinte em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado.

• A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta.

• Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual.

• Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com perdas e danos.

• Pode ser imposta pelo juiz de ofício ou a requerimento, na fase de conhecimento ou de execução.

• Apesar de no dia-a-dia ser comum ouvirmos a expressão “multa diária”, essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas. O CPC 2015, corrigindo essa questão, não fala mais em “multa diária”, utilizando simplesmente a palavra “multa”.

• O valor da multa deve ser revertido em favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é a pessoa que seria beneficiada com a conduta que deveria ter sido cumprida (STJ REsp 949.509-RS / art. 537, § 2º do CPC 2015). Geralmente, as astreintes foram impostas para que o réu cumprisse determinada conduta, de forma que a multa será revertida em favor do autor. No entanto, é possível imaginar alguma situação na qual, durante o processo, o juiz imponha uma obrigação ao autor sob pena de multa. Neste caso, o beneficiário das astreintes seria o réu.

• A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se no final do processo essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá proceder à sua devolução.

 

É possível que o juiz, após o devedor já ter descumprido a multa fixada, reduza o seu valor?

SIM. É possível que o juiz, adotando os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, possa limitar o valor da astreinte, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do exequente. Essa possibilidade está prevista no CPC:

Art. 537 (...)

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

 

Diante disso, pode-se dizer que a decisão que comina astreintes não faz coisa julgada.

Assim, o juiz poderá, mesmo na fase de execução, alterar o valor da multa. Confira:

A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a multa cominatória não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 706) (Info 539).

 

Vale ressaltar que, mesmo se a multa foi fixada em sentença transitada em julgado, será possível a modificação de seu valor e/ou periodicidade, considerando que o que se tornou imutável foi a obrigação reconhecida na sentença, mas não a multa. Em outras palavras, o que fez coisa julgada foi a obrigação, sendo a multa apenas uma forma executiva de cumpri-la.

A Corte Especial do STJ reafirmou esse entendimento:

É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes.

STJ. Corte Especial. EAREsp 650.536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 07/04/2021 (Info 691).

 

Assim, é possível a revisão do quantum fixado a título de multa cominatória especialmente diante do flagrante exagero da quantia alcançada, em afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e à vedação do enriquecimento sem causa.

 

ý (Juiz TJ/RS 2016) Na vigência do Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105/2015, Antônio propõe ação em face de Ovídio, pedindo ordem para cumprimento de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais. Após a regular instrução do feito, passa-se à fase decisória. Nesse caso, quanto à sentença, assinale a alternativa correta. Se, após contraditório prévio e efetivo, o juiz absolutamente competente fixar, na sentença, a técnica da multa diária para o cumprimento da obrigação de fazer, uma vez transitada em julgado a decisão, a técnica executiva não poderá ser alterada, por estar protegida pela coisa julgada. (errado)

 

Astreintes não podem servir para o enriquecimento imotivado do credor

A finalidade das astreintes é conferir efetividade ao comando judicial, coibindo o comportamento desidioso da parte contra a qual foi imposta obrigação judicial. Seu escopo não é indenizar ou substituir o adimplemento da obrigação, tampouco servir ao enriquecimento imotivado da parte credora, devendo, portanto, serem observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Nesse sentido, a própria legislação que prevê a possibilidade de imposição de multa cominatória autoriza o magistrado, a requerimento da parte ou de ofício, alterar o valor e a periodicidade da multa, quando, em observância aos referidos princípios, entender ser esta insuficiente ou excessiva, nos termos do art. 537, § 1º, do CPC/2015.

 

Valor é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus

Desse modo, pode-se dizer que o valor das astreintes é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, quando se tornar irrisório ou exorbitante ou desnecessário, pode ser modificado ou até mesmo revogado pelo magistrado, a qualquer tempo, até mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada.

 

Valor pode ser aumentado ou diminuído, a requerimento ou de ofício

Nesse contexto, com respaldo na legislação e na jurisprudência do STJ, o julgador pode, a requerimento da parte ou de ofício, a qualquer tempo, ainda que o feito esteja em fase de cumprimento de sentença, modificar o valor das astreintes, seja para majorá-lo, para evitar a conduta recalcitrante do devedor em cumprir a decisão judicial, seja para minorá-lo, quando seu montante exorbitar da razoabilidade e da proporcionalidade, ou até mesmo para excluir a multa cominatória, quando não houver mais justa causa para sua mantença.

 

É possível uma nova diminuição do valor mesmo que já tenha havido uma redução anterior

Ainda que já tenha havido redução anterior do valor da multa cominatória, não há vedação legal a que o magistrado, amparado na constatação de que o total devido a esse título alcançou montante elevado, reexamine a matéria novamente, caso identifique, diante de um novo quadro, que a cominação atingiu patamar desproporcional à finalidade da obrigação judicial imposta.

Nesse diapasão, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, é recomendável a redução, quantas vezes forem necessárias, do valor das astreintes, sobretudo nas hipóteses em que a sua fixação ensejar valor superior ao discutido na ação judicial em que foi imposta, a fim de evitar eventual enriquecimento sem causa.

 

Critérios para adequar o valor quando ele se tornar excessivo ou irrisório

O STJ afirma que o julgador deverá utilizar dois vetores de ponderação para analisar se o valor da multa se tornou excessivo ou irrisório:

1) a efetividade da tutela prestada, para cuja realização as astreintes devem ser suficientemente persuasivas; e

2) a vedação ao enriquecimento sem causa do beneficiário, considerando que a multa não é, em si, um bem jurídico perseguido em juízo.

 

Esses dois vetores são desdobrados em quatro parâmetros, que devem ser examinados no caso concreto:

i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado;

ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade);

iii) capacidade econômica e de resistência do devedor;

iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss).

 

Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1733695/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/03/2021.

Vale ressaltar que esses vetores e parâmetros são difíceis de serem analisados de forma objetiva na prática forense, no entanto, mostram-se muito importantes em provas de concurso.

 

MITIGAÇÃO DO ENTENDMENTO ACIMA EXPLICADO (EAREsp 1.766.665-RS)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ingressou com ação contra o banco pedindo que fosse levantado (retirado) um gravame existente sobre seu veículo que tinha sido objeto de alienação fiduciária em garantia.

O juiz concedeu a tutela provisória de urgência determinando que o banco desse baixa no gravame, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.

O banco cumpriu a medida com 300 dias de atraso, o que daria uma multa de R$ 300 mil.

João iniciou cumprimento de sentença cobrando esse valor.

 

Impugnação do banco questionando o valor

O banco apresentou impugnação afirmando que o valor cobrado estaria exorbitante considerando o valor da obrigação principal (veículo de R$ 100 mil).

O juiz acolheu em parte os argumentos e reduziu o valor da multa diária para R$ 100,00.

 

Agravo de instrumento interposto pelo credor

Agora foi João que não ficou satisfeito. Ele interpôs agravo de instrumento contra essa decisão.

O Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso de João e disse que a multa diária fixada em R$ 1.000,00 estava exorbitante mesmo. No entanto, seria devido reduzir para R$ 500,00.

Nenhuma das duas partes recorreu contra essa decisão e os autos voltaram para a 1ª instância para continuar o cumprimento de sentença.

 

Continuidade do cumprimento de sentença e nova impugnação do banco

O credor apresentou novos cálculos cobrando agora a dívida total de R$ 150 mil (500 reais por dia – 300 dias de atraso).

O banco apresentou nova impugnação afirmando que o valor continuava exorbitante tendo em vista o montante principal.

A impugnação foi rejeitada pelo Juízo de 1ª Instância, que entendeu que a questão da gravidade da multa já havia sido discutida, e que o seu valor já teria sido, inclusive, revisado.

O banco interpôs agravo de instrumento ao TJ. Afirmou que os Tribunais Superiores possuem entendimento pacificado no sentido de que a matéria “não é suscetível à preclusão, tampouco faz coisa julgada”, bem como que a decisão incorreu “evidente afronta aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e, sobretudo, da vedação ao enriquecimento sem causa”.

O TJ negou provimento ao agravo afirmando que houve preclusão:

“(...) Inviabilidade de rediscussão de questões jurídicas já examinadas e definidas em anterior recurso. Preclusão consumativa (art. 471 e 473 do CPC).

Recurso Improvido.”

 

A instituição financeira ingressou com recurso especial argumentando que:

a) a questão já anteriormente decidida dizia respeito apenas ao valor da multa diária, sem a apreciação do montante total devido;

b) o STJ possui entendimento pacificado no sentido de que “a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada” (STJ. 2ª Seção. REsp 1333988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014, Recurso Repetitivo - Tema 706) (Info 539); e

c) no caso, é manifesta a desproporcionalidade do valor que as astreintes alcançaram.

 

O STJ concordou com os argumentos do banco?

NÃO.

A controvérsia diz respeito à ocorrência de preclusão sobre decisão que revisa o valor de astreintes.

Sobre tema, a Corte Especial, no julgamento do EAREsp n. 650.536-RJ, firmou o entendimento de ser possível a redução quando o valor for exorbitante, levando-se em conta a razoabilidade e a proporcionalidade, e a fim de evitar o enriquecimento sem causa do credor. Foi o primeiro julgado acima explicado. A ementa ficou assim consignada:

(...) 2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015, art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou formação de coisa julgada.

3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte destinatária tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o órgão julgador modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença.

4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o valor total das astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d. Juízo singular.

(EAREsp n. 650.536/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 7/4/2021, DJe de 3/8/2021.)

 

No entanto, neste julgado de 2024, o STJ afirmou que a questão merece reflexões mais aprofundadas, especialmente porque a decisão de 2021 (EAREsp n. 650.536/RJ), muito embora tenha sido proferida já sob a égide do CPC/2015, baseou-se especialmente em jurisprudência majoritária construída à época em que vigia o CPC/1973, com destaque para o Tema Repetitivo n. 706: “A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada” (REsp n. 1.333.988/SP, Segunda Seção, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 11/4/2014).

Além disso, no EAREsp n. 650.536/RJ não se levou em consideração que o CPC/2015 alterou substancial e expressamente o regime jurídico das astreintes no tocante à possibilidade de modificação. Com efeito, de acordo com a premissa estabelecida no julgamento do EAREsp n. 650.536-RJ, a regra que permite ao magistrado alterar a multa cominatória estaria prevista no art. 461, § 6º, do CPC/1973 e no seu correspondente, art. 537, § 1º, do CPC/2015. Todavia, há uma diferença substancial entre essas duas regras, em particular no que diz respeito a quais valores podem ser modificados:

 

CPC/1973

Art. 461 (...)

§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

 

CPC/2015

Art. 537 (...)

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

 

A partir da análise dessas regras supracitadas, percebe-se a nítida intenção do legislador de autorizar a revisão ou a exclusão apenas da “multa vincenda”, ou seja, a decisão não pode ter eficácia retroativa para atingir o montante acumulado da multa.

A regra do art. 537, § 1º, do CPC/2015 deixa claro que o legislador optou por preservar as situações já consolidadas, independentemente de se tratar da multa que está incidindo ou do montante oriundo da sua incidência.

Analisando a questão com mais profundidade, tem-se que a pendência de discussão acerca do montante da multa não guarda relação com o seu vencimento, mas, sim, com a sua definitividade.

Dessa forma, se a incidência da multa durante o período de inadimplência alcança valores exorbitantes, seja porque o devedor permaneceu inerte e não requereu a revisão ou exclusão, seja porque o magistrado não agiu de ofício, qualquer decisão que venha a ser proferida somente poderia provocar, em regra, efeitos prospectivos.

Percebe-se que o legislador do CPC/2015 optou por levar em consideração a postura do devedor, a fim de premiar aquele que, muito embora inadimplente num primeiro momento, acaba por cumprir a obrigação, ainda que parcialmente, ou que demonstra a impossibilidade de cumprimento. Significa dizer que somente tem direito à redução da multa aquele que abandona a recalcitrância.

Desse modo, a partir da regra expressa do art. 537, § 1º, do CPC, somente seria possível alterar o valor acumulado das multas vincendas e, consoante disposto no inciso II, a redução exige postura ativa do devedor, consubstanciada no cumprimento parcial da obrigação ou na demonstração de sua impossibilidade.

De qualquer sorte, no caso concreto, há outro óbice para a revisão pretendida pelo banco, qual seja a preclusão pro judicato consumativa, pois já havia sido revisado o valor da multa diária.

O STJ sedimentou, por meio de recurso especial julgado na sistemática dos repetitivos, que “a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada” (Tema 706), conforme já anotado. Trata-se, no entanto, de não incidência de preclusão temporal, de forma que o valor da multa pode ser modificado a qualquer tempo. Não se trata de ausência de preclusão consumativa, sob pena de grave violação da segurança jurídica.

Dessa forma, uma vez fixada a multa, é possível alterá-la ou excluí-la a qualquer momento. No entanto, uma vez reduzido o valor, não serão lícitas sucessivas revisões, a bel prazer do inadimplente recalcitrante, sob pena de estimular e premiar a renitência sem justa causa. Em outras palavras, é possível modificar a decisão que comina a multa, mas não é lícito modificar o que já foi modificado.

Considerando que a multa cominatória é um importantíssimo instrumento para garantir a efetividade das decisões judiciais e pode ser fixada de ofício, trata-se de matéria de ordem pública. No caso, a multa fixada em sentença transitada em julgado pode ser alterada na fase de execução porque tem natureza de técnica processual, de modo que não é acobertada pela coisa julgada material. Uma vez fixada ou alterada no início da execução, mantém tal natureza e, portanto, pode ser modificada a qualquer momento, inclusive de ofício.

Todavia, o valor acumulado da multa deixa de ser técnica processual e passa a integrar o patrimônio do exequente como crédito de valor, perdendo a natureza de matéria de ordem pública. Com efeito, nos termos do art. 537, § 2º, do CPC, “o valor [acumulado] da multa será devido ao exequente”.

Além disso, mesmo se considerada também a multa acumulada como matéria de ordem pública, deve incidir a preclusão pro judicato consumativa, de forma que, tendo havido modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas, como deixa claro o art. 537, § 1º, do CPC ao se referir a “multa vincenda”. Isso porque há preclusão consumativa em relação às questões de ordem pública, inclusive àquelas que estão fora da esfera de disponibilidade das partes, tais como os pressupostos processuais e as condições da ação, conforme entendimento sedimentado no STJ.

Assim sendo, e com maior razão, há preclusão consumativa no tocante ao montante acumulado da multa cominatória, pois ostenta natureza patrimonial e disponível.

 

Em suma:

Incide a preclusão consumativa sobre o montante acumulado da multa cominatória, de forma que, já tendo havido modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas. 

STJ. Corte Especial. EAREsp 1.766.665-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/4/2024 (Info 806).


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