É POSSÍVEL QUE O
MAGISTRADO, A QUALQUER TEMPO, E MESMO DE OFÍCIO, REVISE O VALOR DESPROPORCIONAL
DAS ASTREINTES (EAREsp 650.536/RJ)
Astreintes
A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é
prevista no art. 537 do CPC/2015:
Art. 537. A multa independe de
requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela
provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e
compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento
do preceito.
Assim, a multa coercitiva pode ser
aplicada pelo magistrado como uma forma de pressionar o devedor a cumprir:
• uma decisão interlocutória que
concedeu tutela provisória; ou
• uma sentença que julgou procedente o
pedido do autor.
Ex: em uma ação envolvendo contrato
empresarial, o juiz determinou que a empresa “XX” entregasse para a empresa
“YY” 8 mil sacas de soja em determinado prazo, sob pena de multa diária de R$
16 mil. Essa multa é chamada de astreinte.
Principais características da multa
cominatória (astreinte)
• Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de
astreinte em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto
processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado.
• A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a
realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta.
• Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e
também de direito processual.
• Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com
perdas e danos.
• Pode ser imposta pelo juiz de ofício ou a requerimento, na fase de
conhecimento ou de execução.
• Apesar de no dia-a-dia ser comum ouvirmos a expressão “multa diária”,
essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas. O CPC
2015, corrigindo essa questão, não fala mais em “multa diária”, utilizando
simplesmente a palavra “multa”.
• O valor da multa deve ser revertido em favor do credor, ou seja, o
destinatário das astreintes é a pessoa que seria beneficiada com a conduta que
deveria ter sido cumprida (STJ REsp 949.509-RS / art. 537, § 2º do CPC 2015).
Geralmente, as astreintes foram impostas para que o réu cumprisse determinada
conduta, de forma que a multa será revertida em favor do autor. No entanto, é
possível imaginar alguma situação na qual, durante o processo, o juiz imponha
uma obrigação ao autor sob pena de multa. Neste caso, o beneficiário das
astreintes seria o réu.
• A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará
tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se no final do processo
essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver
recebido, deverá proceder à sua devolução.
É possível que o juiz, após o devedor
já ter descumprido a multa fixada, reduza o seu valor?
SIM. É possível que o juiz, adotando os critérios da
razoabilidade e da proporcionalidade, possa limitar o valor da astreinte, a fim
de evitar o enriquecimento sem causa do exequente. Essa possibilidade está
prevista no CPC:
Art. 537 (...)
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a
requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou
excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento
parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
Diante disso, pode-se dizer que a
decisão que comina astreintes não faz coisa julgada.
Assim, o juiz poderá, mesmo na
fase de execução, alterar o valor da multa. Confira:
A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo
tampouco coisa julgada.
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a multa
cominatória não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção
indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser cominada, alterada ou suprimida
posteriormente.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 9/4/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 706) (Info 539).
Vale ressaltar que, mesmo se a multa
foi fixada em sentença transitada em julgado, será possível a modificação de
seu valor e/ou periodicidade, considerando que o que se tornou imutável foi a
obrigação reconhecida na sentença, mas não a multa. Em outras palavras, o que
fez coisa julgada foi a obrigação, sendo a multa apenas uma forma executiva de
cumpri-la.
A Corte Especial do STJ reafirmou
esse entendimento:
É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de
ofício, revise o valor desproporcional das astreintes.
STJ. Corte Especial. EAREsp 650.536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo,
julgado em 07/04/2021 (Info 691).
Assim, é possível a revisão do quantum
fixado a título de multa cominatória especialmente diante do flagrante exagero
da quantia alcançada, em afronta aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade e à vedação do enriquecimento sem causa.
ý
(Juiz TJ/RS 2016) Na vigência do Novo Código de Processo Civil, instituído pela
Lei nº 13.105/2015, Antônio propõe ação em face de Ovídio, pedindo ordem para
cumprimento de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais.
Após a regular instrução do feito, passa-se à fase decisória. Nesse caso,
quanto à sentença, assinale a alternativa correta. Se, após contraditório
prévio e efetivo, o juiz absolutamente competente fixar, na sentença, a técnica
da multa diária para o cumprimento da obrigação de fazer, uma vez transitada em
julgado a decisão, a técnica executiva não poderá ser alterada, por estar
protegida pela coisa julgada. (errado)
Astreintes não podem servir para o
enriquecimento imotivado do credor
A finalidade das astreintes é conferir
efetividade ao comando judicial, coibindo o comportamento desidioso da parte
contra a qual foi imposta obrigação judicial. Seu escopo não é indenizar ou
substituir o adimplemento da obrigação, tampouco servir ao enriquecimento
imotivado da parte credora, devendo, portanto, serem observados os princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade.
Nesse sentido, a própria legislação que
prevê a possibilidade de imposição de multa cominatória autoriza o magistrado,
a requerimento da parte ou de ofício, alterar o valor e a periodicidade da
multa, quando, em observância aos referidos princípios, entender ser esta
insuficiente ou excessiva, nos termos do art. 537, § 1º, do CPC/2015.
Valor é estabelecido sob a cláusula rebus sic
stantibus
Desse modo, pode-se dizer que o valor
das astreintes é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, de
maneira que, quando se tornar irrisório ou exorbitante ou desnecessário, pode
ser modificado ou até mesmo revogado pelo magistrado, a qualquer tempo, até
mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de
sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada.
Valor pode ser aumentado ou diminuído,
a requerimento ou de ofício
Nesse contexto, com respaldo na
legislação e na jurisprudência do STJ, o julgador pode, a requerimento da parte
ou de ofício, a qualquer tempo, ainda que o feito esteja em fase de cumprimento
de sentença, modificar o valor das astreintes, seja para majorá-lo, para evitar
a conduta recalcitrante do devedor em cumprir a decisão judicial, seja para
minorá-lo, quando seu montante exorbitar da razoabilidade e da
proporcionalidade, ou até mesmo para excluir a multa cominatória, quando não
houver mais justa causa para sua mantença.
É possível uma nova diminuição do valor
mesmo que já tenha havido uma redução anterior
Ainda que já tenha havido redução
anterior do valor da multa cominatória, não há vedação legal a que o
magistrado, amparado na constatação de que o total devido a esse título
alcançou montante elevado, reexamine a matéria novamente, caso identifique, diante
de um novo quadro, que a cominação atingiu patamar desproporcional à finalidade
da obrigação judicial imposta.
Nesse diapasão, em atenção aos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, é recomendável a redução,
quantas vezes forem necessárias, do valor das astreintes, sobretudo nas
hipóteses em que a sua fixação ensejar valor superior ao discutido na ação judicial
em que foi imposta, a fim de evitar eventual enriquecimento sem causa.
Critérios para adequar o valor quando
ele se tornar excessivo ou irrisório
O STJ afirma que o julgador deverá
utilizar dois vetores de ponderação para analisar se o valor da multa se tornou
excessivo ou irrisório:
1) a efetividade da tutela prestada,
para cuja realização as astreintes devem ser suficientemente persuasivas; e
2) a vedação ao enriquecimento sem
causa do beneficiário, considerando que a multa não é, em si, um bem jurídico
perseguido em juízo.
Esses dois vetores são desdobrados em
quatro parâmetros, que devem ser examinados no caso concreto:
i) valor da obrigação e importância do
bem jurídico tutelado;
ii) tempo para cumprimento (prazo
razoável e periodicidade);
iii) capacidade econômica e de
resistência do devedor;
iv) possibilidade de adoção de outros
meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty
to mitigate de loss).
Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1733695/SC, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 22/03/2021.
Vale ressaltar que esses vetores e
parâmetros são difíceis de serem analisados de forma objetiva na prática
forense, no entanto, mostram-se muito importantes em provas de concurso.
MITIGAÇÃO DO ENTENDMENTO ACIMA EXPLICADO (EAREsp
1.766.665-RS)
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João ingressou com ação contra o banco pedindo que fosse
levantado (retirado) um gravame existente sobre seu veículo que tinha sido
objeto de alienação fiduciária em garantia.
O juiz concedeu a tutela provisória de urgência
determinando que o banco desse baixa no gravame, no prazo de 10 dias, sob pena
de multa diária de R$ 1.000,00.
O banco cumpriu a medida com 300 dias de atraso, o que
daria uma multa de R$ 300 mil.
João iniciou cumprimento de sentença cobrando esse valor.
Impugnação do banco questionando o valor
O banco apresentou impugnação afirmando que o valor
cobrado estaria exorbitante considerando o valor da obrigação principal
(veículo de R$ 100 mil).
O juiz acolheu em parte os argumentos e reduziu o valor da
multa diária para R$ 100,00.
Agravo de instrumento interposto pelo credor
Agora foi João que não ficou satisfeito. Ele interpôs
agravo de instrumento contra essa decisão.
O Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso
de João e disse que a multa diária fixada em R$ 1.000,00 estava exorbitante
mesmo. No entanto, seria devido reduzir para R$ 500,00.
Nenhuma das duas partes recorreu contra essa decisão e os
autos voltaram para a 1ª instância para continuar o cumprimento de sentença.
Continuidade do cumprimento de sentença e nova
impugnação do banco
O credor apresentou novos cálculos cobrando agora a
dívida total de R$ 150 mil (500 reais por dia – 300 dias de atraso).
O banco apresentou nova impugnação afirmando que o valor
continuava exorbitante tendo em vista o montante principal.
A impugnação foi rejeitada pelo Juízo de 1ª Instância,
que entendeu que a questão da gravidade da multa já havia sido discutida, e que
o seu valor já teria sido, inclusive, revisado.
O banco interpôs agravo de instrumento ao TJ. Afirmou que
os Tribunais Superiores possuem entendimento pacificado no sentido de que a
matéria “não é suscetível à preclusão, tampouco faz coisa julgada”, bem como
que a decisão incorreu “evidente afronta aos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade e, sobretudo, da vedação ao enriquecimento sem causa”.
O TJ negou provimento ao agravo afirmando que houve
preclusão:
“(...)
Inviabilidade de rediscussão de questões jurídicas já examinadas e definidas em
anterior recurso. Preclusão consumativa (art. 471 e 473 do CPC).
Recurso
Improvido.”
A instituição financeira ingressou com recurso especial
argumentando que:
a) a questão já anteriormente decidida dizia respeito
apenas ao valor da multa diária, sem a apreciação do montante total devido;
b) o STJ possui entendimento pacificado no sentido de que
“a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa
julgada” (STJ. 2ª Seção. REsp 1333988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 9/4/2014, Recurso Repetitivo - Tema 706) (Info 539); e
c) no caso, é manifesta a desproporcionalidade do valor
que as astreintes alcançaram.
O STJ concordou com os argumentos do banco?
NÃO.
A controvérsia diz respeito à
ocorrência de preclusão sobre decisão que revisa o valor de astreintes.
Sobre tema, a Corte Especial, no
julgamento do EAREsp n. 650.536-RJ, firmou o entendimento de ser possível a
redução quando o valor for exorbitante, levando-se em conta a razoabilidade e a
proporcionalidade, e a fim de evitar o enriquecimento sem causa do credor. Foi
o primeiro julgado acima explicado. A ementa ficou assim consignada:
(...) 2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e
§§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497,
caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de
2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/2015,
art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não
enseja preclusão ou formação de coisa julgada.
3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte
destinatária tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o
órgão julgador modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar
condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a
quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito
esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença.
4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o
valor total das astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d. Juízo
singular.
(EAREsp n. 650.536/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Corte
Especial, julgado em 7/4/2021, DJe de 3/8/2021.)
No entanto, neste julgado de
2024, o STJ afirmou que a questão merece reflexões mais aprofundadas,
especialmente porque a decisão de 2021 (EAREsp n. 650.536/RJ), muito embora
tenha sido proferida já sob a égide do CPC/2015, baseou-se especialmente em
jurisprudência majoritária construída à época em que vigia o CPC/1973, com
destaque para o Tema Repetitivo n. 706: “A decisão que comina astreintes não
preclui, não fazendo tampouco coisa julgada” (REsp n. 1.333.988/SP, Segunda
Seção, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 11/4/2014).
Além disso, no EAREsp n.
650.536/RJ não se levou em consideração que o CPC/2015 alterou substancial e
expressamente o regime jurídico das astreintes no tocante à possibilidade de
modificação. Com efeito, de acordo com a premissa estabelecida no julgamento do
EAREsp n. 650.536-RJ, a regra que permite ao magistrado alterar a multa
cominatória estaria prevista no art. 461, § 6º, do CPC/1973 e no seu
correspondente, art. 537, § 1º, do CPC/2015. Todavia, há uma diferença
substancial entre essas duas regras, em particular no que diz respeito a quais
valores podem ser modificados:
CPC/1973
Art. 461 (...)
§ 6º O juiz poderá, de ofício,
modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou
insuficiente ou excessiva.
CPC/2015
Art. 537 (...)
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a
requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou
excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento
parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
A partir da análise dessas regras
supracitadas, percebe-se a nítida intenção do legislador de autorizar a revisão
ou a exclusão apenas da “multa vincenda”, ou seja, a decisão não pode ter eficácia retroativa para
atingir o montante acumulado da multa.
A regra do art. 537, § 1º, do CPC/2015
deixa claro que o legislador optou por preservar as situações já consolidadas,
independentemente de se tratar da multa que está incidindo ou do montante
oriundo da sua incidência.
Analisando a questão com mais
profundidade, tem-se que a pendência de discussão acerca do montante da multa
não guarda relação com o seu vencimento, mas, sim, com a sua definitividade.
Dessa forma, se a incidência da
multa durante o período de inadimplência alcança valores exorbitantes, seja
porque o devedor permaneceu inerte e não requereu a revisão ou exclusão, seja
porque o magistrado não agiu de ofício, qualquer decisão que venha a ser proferida somente poderia provocar, em
regra, efeitos prospectivos.
Percebe-se que o legislador do
CPC/2015 optou por levar em consideração a postura do devedor, a fim de premiar
aquele que, muito embora inadimplente num primeiro momento, acaba por cumprir a
obrigação, ainda que parcialmente, ou que demonstra a impossibilidade de
cumprimento. Significa dizer que somente tem direito à redução da multa aquele
que abandona a recalcitrância.
Desse modo, a partir da regra
expressa do art. 537, § 1º, do CPC, somente seria possível alterar o valor
acumulado das multas vincendas e, consoante disposto no inciso II, a redução
exige postura ativa do devedor, consubstanciada no cumprimento parcial da
obrigação ou na demonstração de sua impossibilidade.
De qualquer sorte, no caso
concreto, há outro óbice para a revisão pretendida pelo banco, qual seja a
preclusão pro judicato consumativa, pois já havia sido revisado o valor
da multa diária.
O STJ sedimentou, por meio de
recurso especial julgado na sistemática dos repetitivos, que “a decisão que
comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada” (Tema 706),
conforme já anotado. Trata-se, no entanto, de não incidência de preclusão temporal, de forma
que o valor da multa pode ser modificado a qualquer tempo. Não se trata de
ausência de preclusão consumativa, sob pena de grave violação da segurança
jurídica.
Dessa forma, uma vez fixada a
multa, é possível alterá-la ou excluí-la a qualquer momento. No entanto, uma
vez reduzido o valor, não serão lícitas sucessivas revisões, a bel prazer do
inadimplente recalcitrante, sob pena de estimular e premiar a renitência sem
justa causa. Em outras palavras, é possível modificar a decisão que comina a
multa, mas não é lícito modificar o que já foi modificado.
Considerando que a multa
cominatória é um importantíssimo instrumento para garantir a efetividade das
decisões judiciais e pode ser fixada de ofício, trata-se de matéria de ordem
pública. No caso, a multa fixada em sentença transitada em julgado pode ser
alterada na fase de execução porque tem natureza de técnica processual, de modo
que não é acobertada pela coisa julgada material. Uma vez fixada ou alterada no
início da execução, mantém tal natureza e, portanto, pode ser modificada a
qualquer momento, inclusive de ofício.
Todavia, o valor acumulado da
multa deixa de ser técnica processual e passa a integrar o patrimônio do
exequente como crédito de valor, perdendo a natureza de matéria de ordem
pública. Com efeito, nos termos do art. 537, § 2º, do CPC, “o valor [acumulado]
da multa será devido ao exequente”.
Além disso, mesmo se considerada
também a multa acumulada como matéria de ordem pública, deve incidir a
preclusão pro judicato consumativa, de forma que, tendo havido
modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já
consolidadas, como deixa claro o art. 537, § 1º, do CPC ao se referir a “multa
vincenda”. Isso porque há preclusão consumativa em relação às questões de ordem
pública, inclusive àquelas que estão fora da esfera de disponibilidade das
partes, tais como os pressupostos processuais e as condições da ação, conforme
entendimento sedimentado no STJ.
Assim sendo, e com maior razão,
há preclusão consumativa no tocante ao montante acumulado da multa cominatória,
pois ostenta natureza patrimonial e disponível.
Em suma:
Incide a preclusão consumativa sobre o montante
acumulado da multa cominatória, de forma que, já tendo havido modificação, não
é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas.
STJ. Corte
Especial. EAREsp 1.766.665-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. para acórdão
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/4/2024 (Info 806).