O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Francisco foi abordado por dois
policiais militares que nele fizeram uma revista pessoal, tendo encontrado 1,53g
de cocaína em seu poder. Ele foi preso em flagrante delito por tráfico de
drogas.
Ao ser ouvido, um dos policiais assim narrou e justificou a
abordagem realizada:
“que ao passar
pela rua xxx, avistou ao longe um indivíduo de cor negra que estava em cena
típica de tráfico de drogas, uma vez que ele estava em pé junto o meio fio da
via pública e um veículo estava parado junto a ele como se estivesse
vendendo/comprando algo; que o indivíduo ao perceber a aproximação da viatura
policial mudou o semblante e saiu andando sorrateiramente jogando algo no chão;
que o veículo que estava parado teve marcha iniciada repentinamente e o
motorista saiu do local, podendo afirmar que era um veículo de cor clara, uma
vez que fixou sua atenção no indivíduo, até porque aquele local é conhecido
ponto de tráfico de drogas e ainda nesta data, durante a madrugada e ainda pela
manhã, houve a prisão de vários indivíduos traficando drogas naquele local; que
acabou abordando o indivíduo e o reconheceu por sempre estar naquela localidade
sabendo que é um participante em crimes de tráfico naquele local; que em
revista pessoal acabou localizando 5 pinos de cocaína que estavam no bolso da
calça de moletom, sendo que no outro bolso da mesma vestimenta estavam R$
80,00; que pode observar que no chão próximo havia vários pinos idênticos aos
encontrados com o indivíduo, só que com a queda no chão os mesmos acabaram se
abrindo e vazando seu conteúdo, impossibilitando assim o recolhimento do
conteúdo por ser um pó muito fino e em quantidade que é impossível a
arrecadação; que em seguida conduziu o investigado até este plantão policial.”
O juiz condenou Francisco por
tráfico de drogas, condenação mantida pelo TJ e pelo STJ.
A Defensoria Pública do Estado de
São Paulo impetrou habeas corpus no STF. Alegou que o fato de Francisco ter a
cor de pele negra teria sido o principal motivo para que os policiais militares
decidissem revistá-lo. Afirmou que essa conduta é discriminatória e invalidou a
busca pessoal e todas as provas dela derivadas.
Busca pessoal baseada na
cor da pele
O STF aproveitou esse habeas
corpus para discutir a ilicitude da busca pessoal, sem mandado, baseada
unicamente por características pessoais do indivíduo, como raça, sexo, cor da
pele, aparência física etc.
Vamos verificar inicialmente o
que o STF definiu como tese geral e, em seguida, analisar o que a Corte decidiu
no caso concreto de Francisco.
Requisitos da busca pessoal
do art. 244 do CPP
Confira o que diz o art. 244 do CPP sobre a busca pessoal:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no
caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na
posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito,
ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
A partir da leitura desse
dispositivo, é possível extrair três hipóteses de busca pessoal sem mandado:
a) no caso de prisão (ex: o
indivíduo é preso em flagrante, o que autoriza a realização de busca pessoal);
b) quando houver fundada suspeita
de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito; ou
c) quando a medida for
determinada no curso de busca domiciliar.
Fundada suspeita
A fundada suspeita representa a
justa causa necessária para a implementação da medida de natureza cautelar.
Em termos de standard probatório,
a justa causa para a busca pessoal deve estar fundada em elementos objetivos e
concretos.
Assim, não satisfaz a exigência
legal parâmetros subjetivos ou não constatáveis de maneira clara e precisa.
Também não se pode admitir a
busca pessoal com base em critérios que não tenham base legal.
Justamente por isso, não se
admite busca pessoa com base na raça, cor da pele, aparência física, que não
possuem base objetiva.
Os elementos objetivos que
motivaram a busca pessoal devem ser consignados no auto de prisão
É importante também consignar que
os elementos que evidenciam a justa causa para a busca pessoal devem constar no
auto de prisão em flagrante ou no respectivo relatório diligência a fim de que
seja feito o controle judicial posterior da medida.
Essa descrição clara e precisa da
justa causa que motivou a realização da busca pessoal é necessária para que o
Poder Judiciário possa analisar o ato.
Mesmo que os policiais
encontrem algo ilícito na posse do indivíduo, se não havia fundada suspeita
para a realização da busca pessoal, esse ato será inválido assim como todas as provas
obtidas
O fato de a busca pessoal
resultar em apreensão de objetos ilícitos ou que constituam o corpo de delito
não torna a revista lícita.
O resultado da busca pessoal é
irrelevante para a caracterização de sua licitude. O necessário para conferir
legitimidade à busca pessoal é a existência de justa causa anteriormente à
realização da medida, ainda que esta resulte infrutífera.
Precisa haver fundada
suspeita de que a pessoa esteja com arma ou com corpo de delito
De acordo com o art. 240 do CPP, a
busca pessoal pode ocorrer “quando houver fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo
de delito”.
Corpo de delito é um conjunto de
elementos sensíveis deixados pelo fato criminoso.
Em suma:
A busca pessoal, em face do
constrangimento que causa, exige fundada suspeita em elementos indiciários
objetivos e concretos que indiquem a sua necessidade, no sentido de a pessoa
estar na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de
delito.
A busca pessoa não pode se basear
em parâmetros unicamente subjetivos.
Desse modo, confira a tese fixada:
A busca pessoal independente de mandado judicial deve
estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na
posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito,
não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação
sexual, cor da pele ou aparência física.
STF.
Plenário. HC 208.240/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 12/4/2024 (Info
1132).
No caso concreto, pode-se
dizer que a busca pessoal realizada pelos policiais em Francisco foi baseada
unicamente na cor da pele do suspeito?
NÃO.
Na espécie, a abordagem policial
não foi motivada pelo perfilamento racial, mas por outros elementos, em
especial a localidade na qual o suspeito se encontrava e atitudes consideradas
típicas da traficância.
Vale ressaltar, por fim, que o
STF entendeu não ser possível aplicar o princípio da insignificância ao crime
de tráfico de drogas.
Com base nesses e em outros
entendimentos, o Plenário, por maioria, denegou a ordem e, por unanimidade,
fixou a tese anteriormente citada.
Em outras palavras, o STF decidiu
que o chamado perfilamento racial (condutas realizadas a partir de
generalizações fundadas na raça) deve ser abolido da prática policial. Contudo,
a maioria dos Ministros entendeu que o caso concreto não se enquadra nessa
prática, divergindo do relator, ministro Edson Fachin, para quem não havia
elementos concretos que justificassem a busca pessoal.